Como a gestão de pessoas pode navegar na complexidade e promover felicidade no ambiente de trabalho em tempos de modernidade líquida.
Por Graziele Piva e Rodolfo Olivo, PhD em Administração pela FEA-USP e professor da FIA Business School
Imagine que você é um atleta olímpico. Após anos de treinamento e dedicação, você finalmente chega ao pódio. Naturalmente, espera-se que você fique feliz, certo? O senso comum nos diz que sim — e que você ficaria mais feliz com a medalha de ouro, em segundo lugar com a prata e, em terceiro, com o bronze. Quanto mais alto no pódio, maior a felicidade. Mas isso é apenas o senso comum.
Na realidade, as reações dos atletas medalhistas nas Olimpíadas nem sempre refletem essa expectativa. Enquanto o medalhista de ouro geralmente exibe a maior felicidade, como esperado, os medalhistas de prata muitas vezes mostram frustração. Curiosamente, os de bronze parecem mais satisfeitos. Isso parece ilógico à primeira vista. Por que os atletas prefeririam a medalha de bronze à de prata?
Um estudo realizado pelo jornal The Conversation, utilizando inteligência artificial, revelou que medalhistas de prata tendem a ser menos felizes do que os que ganham bronze. A análise foi baseada em fotos de 413 atletas medalhistas olímpicos tiradas durante cerimônias de premiação entre 2000 e 2016. De acordo com o estudo, os medalhistas de prata tendem a pensar “eu quase conquistei a medalha de ouro”, enquanto os de bronze pensam “pelo menos conquistei uma medalha”. Essa diferença de pensamento faz com que os medalhistas de prata foquem no que perderam, enquanto os de bronze se concentram no que conquistaram.
O senso comum não consegue antecipar essas diferentes perspectivas porque ele é baseado em um pensamento linear — ou seja, onde não há interação entre as variáveis, tudo é proporcional: ouro vale mais que prata, que vale mais que bronze; ou ainda, primeiro lugar é melhor que segundo, que é melhor que terceiro.
No entanto, os seres humanos frequentemente exibem comportamentos complexos, onde as variáveis interagem entre si e o resultado final depende dessa interação. Como vimos no exemplo olímpico, o pensamento complexo pode fazer com que o bronze seja mais valorizado que a prata, tornando o terceiro lugar mais desejável que o segundo.
No mundo complexo das organizações, a área de RH não pode se dar ao luxo de adotar um pensamento linear, sob pena de cometer erros graves. É necessário mergulhar na complexidade, compreendendo-a e integrando-a em todas as políticas, especialmente nas de remuneração variável e retenção de colaboradores. Caso contrário, as empresas correm o risco de perder talentos e não conseguir explicar por que seus colaboradores preferem as “medalhas de bronze” oferecidas pelos concorrentes, abandonando as “medalhas de prata” oferecidas pela própria empresa.
A complexidade dos tempos modernos também pode ser relacionada à noção de “modernidade líquida” de Zygmunt Bauman. Vivemos em um período onde tudo é transitório e fluido, e as certezas que antes norteavam decisões no ambiente de trabalho ou na vida pessoal parecem se dissolver. Nessa nova realidade, os colaboradores buscam mais do que apenas salários ou crescimento profissional — eles procuram propósito, pertencimento e uma conexão autêntica com o que fazem.
Bauman sugere que, na modernidade líquida, as estruturas fixas desaparecem. Isso se reflete nas organizações de hoje, onde a volatilidade do mercado, a incerteza econômica e as rápidas transformações tecnológicas exigem que a gestão de pessoas não apenas acompanhe essas mudanças, mas lidere a adaptação. O papel da área de RH torna-se fundamental para ajudar as empresas a navegar nesse ambiente de incertezas, preservando o engajamento e o bem-estar dos colaboradores.
Se antes o pensamento linear e soluções padronizadas eram suficientes para manter a competitividade, agora, em tempos líquidos, a flexibilidade e a capacidade de compreender as múltiplas camadas da experiência humana se tornaram cruciais. Assim como o medalhista de bronze encontra satisfação onde o de prata encontra frustração, as necessidades e desejos dos colaboradores são moldados por percepções subjetivas, muitas vezes inesperadas.
A gestão de pessoas precisa reconhecer que a satisfação no trabalho não é mais apenas uma questão de benefícios tangíveis, como salário ou bônus. Trata-se de criar ambientes que possibilitem o desenvolvimento pessoal, emocional e até espiritual dos indivíduos. Empresas que ignoram essa complexidade e permanecem fixadas em modelos de gestão rígidos podem enfrentar alta rotatividade, desengajamento e perda de competitividade. Nesse cenário, a área de RH tem o desafio de se reinventar continuamente, compreendendo o ser humano em sua totalidade e adaptando-se às novas exigências da modernidade líquida. Isso envolve não apenas políticas de remuneração mais complexas e flexíveis, mas também a criação de culturas organizacionais que promovam o equilíbrio, a saúde mental e o crescimento holístico dos colaboradores.
Além de enfrentar a complexidade dos tempos líquidos, as organizações precisam lidar com outra questão central: a busca pela felicidade no trabalho. O conceito de felicidade, outrora distante das responsabilidades profissionais, agora se mostra uma meta legítima para empresas que almejam reter e engajar talentos.
A felicidade no ambiente de trabalho não se resume a salários altos ou benefícios atraentes, assim como a medalha de prata nem sempre traz mais felicidade que a de bronze. A felicidade, nesse contexto, está ligada ao senso de realização, à qualidade das relações e às oportunidades de crescimento — tanto profissional quanto pessoal. E é aqui que a gestão de pessoas desempenha um papel crucial.
Hoje, a realização profissional está profundamente conectada à felicidade pessoal. Isso significa que a área de RH precisa desenvolver uma escuta ativa, compreendendo as aspirações dos colaboradores de forma mais ampla. Um ambiente que promove a felicidade não se constrói apenas com remuneração ou prêmios de desempenho, mas com a criação de uma cultura de acolhimento, pertencimento e reconhecimento. A felicidade, em tempos líquidos, é volátil, assim como as relações e os próprios modelos de negócio. O que traz felicidade para um colaborador hoje pode não ser o mesmo amanhã. Por isso, as empresas precisam estar em constante transformação, permitindo-se ser moldadas pelas novas exigências e pelos desejos dos seus colaboradores.
Quando se olha pela lente da complexidade, é possível perceber que a felicidade no trabalho está relacionada a um conjunto de fatores que vão muito além do óbvio. Empresas que entendem isso conseguem oferecer mais do que recompensas tangíveis; elas proporcionam um ambiente onde os colaboradores se sentem valorizados, ouvidos e, acima de tudo, felizes em fazer parte de algo maior. Em tempos de modernidade líquida, essa pode ser a maior vantagem competitiva de uma organização.