Quando um funcionário costuma passar dos limites por comportamentos inadequados, o que fazer?
É largamente conhecido entre Psicólogos e nos meios de Gestão de RH, que o candidato é recrutado pelo currículo e demitido, na maioria das vezes, pelo comportamento. Para examinar a personalidade de um potencial candidato há diversos testes, cansativas entrevistas e até mesmo, complexas exames de grafia.
Todos conhecem profissionais associados ao temperamento difícil, fazendo eles inclusive (às vezes sadicamente), questão de serem reconhecidos por tal. Alguns apesar de serem muito motivados e esforçados, criam conflitos, constrangem colegas, a equipe de trabalho, deixando a diretoria preocupada e não raro afugenta clientes e parceiros importantes.
Em alguns debates de estudos, vi algumas explicações de colegas Psicólogos e outros de RH, do por que desse tipo de conduta e teses não faltavam, que são arrogantes por conhecerem bem o trabalho e os fazerem com maestria, em detrimento do restante da equipe, assegurando o lugar de líder ou chefe.
Outros abusam do poder de mando, por ser influente, ter informações privilegiadas, por gozar da intimidade com a diretoria ou por desequilíbrio emocional mesmo. Alguns não conseguem dissociar o temperamento difícil e rascante de seu lado profissional, chegam inclusive, a misturá-los.
O filme “O Diabo Veste Prada” foi bem debatido. No desenrolar da película, observa-se que não era o profissionalismo da chefa (Meryl Streep) que causava sucesso, mas sim, seu destempero e personalidade bipolar, erroneamente tipo pelos seus comandados e amigos (amedrontados), como uma virtude.
A arrogância e não o profissionalismo de muitos líderes é vista como uma das causas de sucesso de seus empreendimentos, em detrimento das dores morais sofridas por seus subalternos ou de toda sua equipe.
Muitos dos submetidos a esses chefes não conseguem dormir, têm desarranjos intestinais, prisão de ventre, queda de cabelos, tremores involuntários, palpitações, impotência ou frigidez, etc., tamanha a gama de somatização causada pelo estresse oriundo do tratamento recebido.
Já vi diversos relatos no meio corporativo, tipo: “Ele era tão humilde e simples, mas depois que foi a cargo de chefia, se transformou, fico cruel, perverso!”, é evidente, todos já viram isso. O problema é moral, filho do caráter, gerando o comportamento, algo que não aparece nos currículos. E lamentavelmente, testes e extensas entrevistas são ineficazes para perceber esse detalhe de personalidade, escondido nos recônditos da alma do candidato.
Nem todos operadores ou profissionais de RH, Psicólogos inclusive, conhecem ou gostam dos estudos da Psicanálise e para tanto, questionam entre seus pares, o que faz uma pessoa gostar de ser tão ruim, odiada, de sentir prazer em menosprezar um funcionário que está sob sua responsabilidade…
Quando o descontentamento da equipe chega a níveis intoleráveis, surgem queixas (e pasmem), muitos desses profissionais sequer são advertidos, mesmo depois de diversas comunicações pelos canais apropriados (criados justamente para isso!), pelo simples fato de que com eles, a empresa está dando certo; entenda-se, eles dão lucros.
Essa situação lembra a frase atribuída a Maquiavel, em que “os fins justificam os meios”; ou seja, a finalidade de uma corporação em detrimento da dignidade humana, é ter e manter os lucros acima de tudo, e os meios para tal, desde que não sejam ilegais são válidos. Porém, Maquiavel foi categórico ao afirmar que dando poder a um homem, se descobre quem realmente ele é.
A premissa do lucro é verdadeira e dá certo, mas apenas temporariamente, porque o ilegal penal, (Código Penal) é diferente do ilícito civil (Código Civil), que gera a responsabilidade de indenizar.
Determinados tipos de comportamentos/condutas ocorrem por falta de conhecimento das nuances do ilícito penal que na relação trabalhista, onde há o assédio moral, poderá haver também o constrangimento ilegal, ameaça, difamação, injúria, calúnia, vias de fato, até mesmo a tortura.
O risco patrimonial da reputação frente ao ilícito penal
Quem nunca soube ou esteve presente em reuniões para apurar irregularidades, desmandos, desvios, etc., que mais parecia um circo de horrores, que ‘rolam cabeças’, bem tensa sem horas para acabar, com pressões sobre o ‘suposto culpado’, tapas na mesa, dedos em riste, fortes gritos, etc.? Agora vejam o que o artigo 1º, inciso I, da Lei 9455/97, que define o crime inafiançável de Tortura diz:
Constitui crime de Tortura: Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: Pena – Reclusão, de dois a oito anos.
Alguma diferença da reunião tensa? São coisas diferentes? Fui excessivo no exemplo? Imagine então, que parte dessa reunião seja gravada, (em áudio, por ex.) e caia nas mãos de um Promotor de Justiça, através de uma hábil petição?
Há uns anos passados, uma amiga da faculdade de Psicologia me ligou desesperada, acerca de uma tensa e demorada reunião terminada sem nada apurado, e a ‘suposta culpada’, era esposa de um advogado, que aos prantos o chamou à empresa e ele já estava lá, nervoso, questionando a reunião frente à lei de Tortura; e passando o telefone, consegui com muita destreza, depois de acalmado os ânimos, conversar e desfazer o intento dele de levar o ocorrido ao conhecimento policial e ao MP, visto que o RH saberia resolver esse grande equívoco – e resolveu.
Em se tratando de reputação, surge em nossos pensamentos às famosas redes sociais, que dão publicidade a qualquer acontecimento, especialmente os escândalos, em questão de minutos sem filtros ou cuidados, deixam empresas com suas reputações construídas em décadas, bem arranhadas ou talvez até, totalmente destruída. É muito comum por exemplo, postos de gasolina após queixas de combustível adulterado, ser fechado e depois reaberto com uma faixa: “sob nova direção”?
Não raro, empresas vêm a público desmentir ou fazerem uma mea culpa de acontecimentos que macularam suas reputações, seja na área ambiental, civil ou criminal, normalmente derivado do comportamento inadequado de algum funcionário ou das políticas corporativas ditadas por alguém sem conhecimento legal, achando (em seus próprios valores), que estava fazendo o certo.
Mas a questão não para aí, enquanto o comportamento abusivo do líder é vertical, entre os funcionários, é também comum acontecerem comportamentos parecidos entre eles.
A forma de sempre haver um continuado clima de concorrência, competição e tudo que possa ser necessário a alcançar promoção ou reconhecimento, ao invés da cooperação, gera atritos. Mas também há a amizade, a camaradagem, alegrias, queixas, resmungos entre eles.
Da mesma forma, que o comportamento inadequado de alguns líderes gera ilícitos penais podem ocorrer também, com funcionários pela constante proximidade física laboral.
A Abordagem didática
Numa empresa onde fiz alguns trabalhos de treinamento, uma funcionária me relatou que um gerente, insistia em namorá-la, passando a assediá-la, puxando-lhe os cabelos, fazendo propostas absurdas, apalpando partes de seu corpo, chegando por duas vezes tentar beijá-la à força, numa dessas na frente de outros funcionários para humilhá-la.
O funcionário não gostou de ser chamado ao RH, por ser gerente e devido ao seu ‘tempo de casa’ (como se isso desse direito ao abuso!), visto que tinha 18 anos na empresa; e desdenhosamente justificou dizendo que não é nada demais elogiar, pegar nos cabelos ou dar um beijo; após ser convidado, mostrei o Vade Mecum que tinha na bolsa, li e expliquei a ele, sobre o artigo 61 da Lei das Contravenções Penais: “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor.”
O funcionário riu, debochou. Então li o artigo 213 do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique OUTRO ATO LIBIDINOSO”.
Aí, ele ficou preocupado, notou que o artigo era sobre estupro e negou a conjunção carnal. Perguntei se ele entendia àquela parte final do artigo: “outro ato libidinoso”. Ele emudeceu e foi rápido em entender que não precisa haver a relação carnal, para se consumar o estupro.
Abreviando o assunto, o funcionário antes desdenhoso, vendo que sua demissão por justa causa se avizinhava, entrou em desespero pedindo desculpas, implorando o perdão da funcionária vítima de seus abusos e da Psicóloga… E resumindo, o problema foi bem resolvido.
No Brasil grande parte dos processos judiciais sobre esses ilícitos tramitam em sigilo de justiça, mas nos EUA ou Europa como aqui, geram altas indenizações, sem contar o pior, o dano à imagem pública da empresa, que precisa de uma reputação positiva para manter-se no mercado.
Numa outra empresa onde também palestrei sobre Gerenciamento de Riscos Criminais , (o assunto desta matéria), havia um RH com profissionais bem operantes que notaram a existência desses ilícitos, e na época (antes de me convidarem), chamaram o jurídico para palestrar aos funcionários; mas eles se negaram e com sinceridade, disseram não ter afinidade com a área penal, nem vocação à didática; logo se conclui que ser professor é um dom, pois é comum nas palestras que faço sobre o assunto, se transformarem em divertidas aulas de conhecimento exemplificativo e consultoria.
A cultura da conscientização de prevenção a ilícitos por ser muito complexa, praticamente inexiste nas empresas e as vezes, pasmem, esses assuntos são tidos como tabu ficando restrito ao jurídico, repletos de serviços, com prazos para de recursos, petições, audiências, etc., e muitas vezes, o departamento está fisicamente fora da empresa.
Um outro fato é o grau de tabu do assunto, que aumenta conforme a hierarquia aonde acontece as ocorrências; quanto mais alto hierarquicamente o funcionário, maior o sigilo. Uma das empresas que me contatou, inicialmente os dirigentes não usavam seus e-mails corporativos, somente o fazendo após firmarmos um termo de confidência, afinal, esse assunto exige cautela, tato e discrição.
Trabalhar essa conscientização além de prevenir, inibe determinados tipos de comportamentos inadequados que podem levar uma empresa ao fracasso, evitando muitos problemas trabalhistas, reputacionais, financeiro e minimizando perdas.
Texto: Prof. Marco Aurélio – graduado em Psicologia (1992) e Direito (2006), estudioso dos temas relacionados à fraudes, compliance, reputação, riscos, pioneiro em palestras corporativas e assessoria à consultorias de RH sobre o aspecto comportamental-penal do candidato; leciona cursos e treinamentos sobre Gerenciamento de Riscos Criminais, conscientizando sobre comportamentos inadequados nas empresas.
Contatos: [email protected]
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