Por Flavio Valiati – CEO da startup social Vamos Subir e líder do segmento de Educação do Zoom no Brasil
É notório que a pandemia mudou as relações trabalhistas. Porém, o debate sobre o futuro do trabalho não é uma pauta nova dentro das empresas, tampouco aflige os entrantes no mercado há apenas dois anos. Em verdade, a crise de Covid-19 acelerou todo o processo de como lidamos com o mundo profissional, principalmente em seu meio físico, mas essa já é uma questão sensível há tempos dentro das organizações.
Apesar de todo o avanço tecnológico indiscutível, o futuro do trabalho ainda passa pelas habilidades humanas, àquelas ligadas às comportamentais e sociais, sobretudo no Brasil. Mesmo que automação venha ganhando cada vez mais força em todo o mundo.
Um estudo da divisão da América Latina da consultoria de recrutamento internacional PageGroup, o Habilidades 360, mostra que os executivos brasileiros são os mais preocupados com tais habilidades, já apelidadas no estrangeirismo como soft skills. De acordo com o documento, 68,7% dos líderes brasileiros dão mais relevância à falta de habilidades sociais para tomar a decisão em um desligamento.
Ainda segundo o mesmo estudo, na América Latina como um todo, 61% dos empresários afirmam que a principal razão para uma vaga não ser preenchida é porque os candidatos não possuem as competências comportamentais necessárias para assumir a posição.
Entre as habilidades comportamentais mais difíceis de se encontrar no mercado estão a inteligência emocional (57%); a comunicação assertiva (42%); a resolução de conflitos (38,8%) e a liderança (33%).
Nota-se, portanto, que as habilidades para o trabalho estão mudando, questões técnicas deixaram de ser primordiais no mercado de trabalho. Saber programar é menos importante do que ter inteligência emocional para um candidato. Por um lado, a tecnologia influencia diretamente nas carreiras, no outro, os profissionais precisam estar qualificados técnica e para preenchê-las.
É exatamente o que apontou o último relatório O Futuro do Trabalho, do Fórum Econômico Mundial. Segundo o estudo, as empresas globais têm dificuldades de aproveitar o potencial de crescimento das novas adoções tecnológicas por causa da escassez de habilidades comportamentais dos profissionais.
O relatório mostra que 55,4% das empresas entrevistadas encontram essas lacunas de competências nos profissionais em seus respectivos mercados e isso dificulta a adoção de novas tecnologias. O relatório entrevistou 291 empresas ao redor do mundo que, juntas, representam cerca de 7,7 milhões de funcionários.
Dificuldades que seguem mesmo com o alto índice de desemprego causado pela pandemia. A taxa de desemprego chegou a bater 14,6%, recorde da série histórica, e cerca de 14 milhões de pessoas seguem desempregadas, conforme os dados mais recentes da Pnad, a pesquisa de emprego do IBGE. E as perspectivas não são otimistas: a preocupação dos economistas gira em torno da retomada do emprego ainda para este ano.
Os dados cruzados do IBGE e das consultorias de colocação profissional mostram que faltam empregos de base, mas sobram empregos que demandam por profissionais qualificados, principalmente na área de tecnologia. De acordo com o Code.org, havia menos de 50.000 graduados em Ciência da Computação em 2017. Porém, existem mais de 500.000 vagas abertas em computação nos Estados Unidos. Isso pode significar que, em 2020, as vagas disponíveis para esta posição excederão em um milhão os candidatos qualificados, o que poderia aumentar ainda mais a lacuna.
Nesse contexto, surge outra demanda para o mercado de trabalho do futuro: os profissionais híbridos. De acordo com um estudo da National University of Singapore (NUS), os atuais alunos egressos do ensino superior terão, em média, 6 carreiras diferentes ao longo da vida.
Voltando para o estudo PageGroup, que corrobora com a afirmação acima, o profissional híbrido é aquele que é especialista em um assunto, mas, ao mesmo tempo, acumula habilidades e conhecimentos em diferentes áreas. A multidisciplinaridade está sendo cada vez mais valorizada pelas empresas, principalmente após a pandemia, já que sua atuação agrega valor aos diferentes segmentos que compõem uma organização.
Além disso, os profissionais híbridos são mais competitivos. Para os líderes das empresas pesquisas, esses são os maiores benefícios: lidar melhor com momentos de crise e incerteza (78,7%); obter melhores resultados financeiros (65%); atingir sinergias entre as áreas da empresa (62%); promover a inovação empresarial (38,8%); ter melhor atendimento ao cliente (33%) e adotar novas tecnologias (7%).
Portanto, mais do que pensar na pergunta que sempre aparece: “qual é o futuro do trabalho?”, primeiro é preciso pensar quais são as habilidades do futuro. Em geral o futuro do trabalho será daqueles que protagonizam o seu papel e entendem que as habilidades socioemocionais são uma vantagem competitiva. Propósito, valores e princípios bem definidos, mentalidade de crescimento, inteligência emocional, adaptabilidade, empatia e give back (uma cultura de doação e retribuição para sociedade) são algumas das mais importantes.