Leandro Pires e Silva é CEO da NovaHaus
Nenhuma empresa ou funcionário quer receber uma notícia dessas. Só que, no ritmo atual, a substituição de serviços (e profissões!) será algo cada vez mais comum. Ainda faz sentido perguntarmos aos nossos filhos o que eles querem ser quando crescerem? Estamos preparando nossas crianças para um futuro em que a inteligência artificial vai ter a capacidade de substituir empregos superqualificados e fazer tarefas de forma mais concentrada e com menor taxa de erro?
Como lembra o historiador Yuval Noah Harari, a tecnologia do início do século passado praticamente eliminou o cavalo como meio de transporte. O sujeito que conduzia as carroças virou taxista. Hoje, aplicativos como o Uber dividiram os antigos cocheiros entre motoristas e taxistas. Os carros autônomos vão aposentar ambos.
Em seu livro Homo Deus, Harari pontua que o processo em curso vai tornar o cérebro humano obsoleto para muitas funções.
Se a tecnologia sempre ajudou a substituir o trabalho braçal pela máquina, como será agora que ela visa substituir o trabalho intelectual e não apenas o braçal?
A velocidade da transformação tecnológica vem se acelerando da segunda metade do século 20 para cá. O colunista do New York Times Thomas Friedman enxerga até um ponto de inflexão: o ano de 2007.
Foi nele que a Apple lançou a primeira versão do iPhone, em que os softwares serviram de base para a computação em nuvem e big data. No mesmo ano, a Amazon começou a vender o Kindle para lermos livros digitais. Em 2008, o Google lançou o Android e o AirBNB foi oficialmente fundado. Em 2010, a IBM apresentou o supercomputador Watson. O sequenciamento de DNA, que custava US$ 300 mil um ano antes do tal “ponto de inflexão”, era oferecido por US$ 1.000 em 2014. Gerar 1 watt de energia solar, que custava quase US$ 2 mil nos EUA em 1956, hoje sai por uns 70 centavos.
Desde 2007, portanto, a espiral da inovação só fez acelerar. Precisamos aprender a aprender mais rápido e os governos a governar de forma mais inteligente. Olhe para trás e pense na tecnologia de cinco, só cinco anos atrás! Estávamos no iPhone 6, no início do 4G aqui.
Cinco anos depois, parte do atendimento das empresas é feito por bots, o iPhone é o 12, enquanto China e Coreia do Sul desenvolvem o 6G nos celulares!!!
Quer ter a prova definitiva do progresso assombroso do ser humano?
A Grande Peste assolou o Oriente e a Europa no século 14. Um remédio para ela só veio uns 500 anos depois. O Covid-19 teve o seu sequenciamento genético feito em um mês. A vacina do Ebola levou cinco anos para ficar pronta. As que combatem a pandemia atual surgiram em oito meses!
Se o que levava centenas de anos agora pode mudar no curso de 365 dias, como a gente fica? O “luxo” de ter uma profissão só ao longo da vida me parece uma perspectiva cada vez menos plausível.
Devemos trabalhar com ciclos de dez ou até cinco anos. Criar produtos digitais que terão um “prazo de validade” mais longo que o padrão atual. Temos consciência de que muitos serviços que prestamos hoje serão substituídos pela automação ou por inteligência artificial em pouco tempo, total ou parcialmente. Quem não se reinventar, ficará pelo caminho.
MENTALIDADE NO FUTURO
As empresas de tecnologia, sobretudo as Big Techs, e todas as que estão atentas ao ritmo da inovação, estão em vias de ou já incorporaram essa mentalidade. Infelizmente, o tema não é discutido no Brasil, sobretudo dos desdobramentos para educação.
É visível que não estamos preparando as próximas gerações para viver em um mundo de mudanças abruptas, no qual elas terão de se reinventar várias vezes na vida, recomeçar literalmente do zero. E isso vai atingir não apenas os pobres, como sempre ocorreu ao longo da história.
Os entregadores de refeições serão substituídos pelos drones, sim. Mas os médicos vão tratar de pessoas ou criar algoritmos e robôs que identificam problemas de saúde e os tratam?
Um médico, por mais experiente, não recebe update em tempo real. Digamos que seja descoberta uma droga nova para tratar determinada doença. É mais fácil um robô-médico receitar no dia seguinte do que um médico experiente e atualizado.
O algoritmo de um app médico irá “tratar” milhões de pessoas no mundo inteiro e em um único dia acumulará tanta experiência quanto um médico humano ao longo de uma vida inteira. Além do mais, o robô evitará certos vieses como, por exemplo, tratar com mais atenção o paciente simpático que o hipocondríaco.
Se você pensar bem, tal movimento já está em curso há décadas. Os resultados de exames têm muito mais peso que antes nos diagnósticos. Quem garante que, em alguns anos, os aplicativos dos celulares, assim como são hoje os exames laboratoriais, não se tornaram tão decisivos para diagnóstico quanto o próprio médico?
Já se fala muito que na próxima década os aplicativos, juntamente com os wearables (relógios ou as roupas com chips que medirão nossos sinais vitais a qualquer momento) poderão substituir o acompanhamento médico regular – uma espécie de Programa Saúde da Família em tempo real…
Pensando nisso, como fica a criança que sonha em exercer a medicina? E o adolescente que está se esforçando muito para entrar na faculdade de medicina e nunca cogitou aprender programação? O que será dele em 10 ou 15 anos? Conseguirá se reinventar como engenheiro-programador-médico? Ou terá o mesmo futuro dos taxistas no mundo de carros autônomos?
Esse exercício vale para quase qualquer profissão. Escolhi dois extremos para mostrar que o fenômeno será mais ou menos horizontal na sociedade.
Veja o caso do Ebay, que criou um algoritmo para resolver conflitos entre pessoas por compras que não deram certo – o comprador não recebeu o produto que o vendedor garante ter enviado. Após estudos, o juiz-algoritmo demonstrou nível de assertividade maior que o juiz real. Não estou falando de futuro. Já aconteceu! Será que vamos dispensar os juízes para os casos menos complexos?
Já é possível “construir” uma casa usando uma impressora 3D. Num futuro próximo, contrataremos um arquiteto ou alugamos uma impressora 3D e baixaremos um arquivo com a casa pronta?
E quando as impressoras de comida se tornarem tão comuns quanto os microondas? Rappi, iFood e Uber Eats farão sentido neste mundo? Ou mesmo ainda sendo uma novidade, já estão pensando em se reinventar num futuro próximo?
De acordo com estudo da McKinsey, 50% das atividades de trabalho nos EUA nos dias de hoje são automatizáveis pela adaptação de tecnologia existente. Entre 6 e 10 profissionais têm no mínimo 30% de suas atividades tecnicamente automatizáveis.
As pessoas sempre se dividiram na atitude em relação à tecnologia. Toda forma nova de se fazer algo elimina uns empregos e cria outros. O ponto é: estamos preparando as próximas gerações emocional e psicologicamente para deixar uma vida de estudo de lado e recomeçar a cada cinco ou dez anos?
Meu filho de 4 anos provavelmente nunca terá o gostinho de dirigir um carro, pois quando chegar aos 18, os carros serão autônomos.
As escolas deveriam desde já encarar a linguagem de programação como a matéria mais importante e tornar obrigatórios ciência de dados e robótica em nossa grade curricular. Quase todas as profissões vão lidar em algum grau com IA e aprendizado de máquina. Caso contrário, formaremos um monte de cocheiros para uma sociedade prestes a receber automóveis.
Em nosso trabalho, a rotina tem sido desenvolver ou utilizar algoritmos que substituam, não as pessoas, mas as tarefas manuais e repetitivas. Trabalhar com ciclos de vida de produtos, que é o que a NovaHaus está começando agora, deveria ser uma discussão mais difundida na sociedade.
O debate político está embotado e passa longe do que realmente importa: o futuro, nosso lugar na economia mundial. Estamos vivendo a época da maior e mais rápida mudança da civilização, que alguns chamam de “dobradiça da história“.
Yuval Harari disse recentemente em uma live que somos mais parecidos com o homem de neandertal do que com o homem que estará por aqui em 2099.
Quem duvida?