A graduação não tem o mesmo peso para o mercado de trabalho, mas ainda pode ser um diferencial
Fabrício Garcia, CEO da Qstione e Colunista Mundo RH
No Brasil, diferentemente de outros países (como EUA e Alemanha), a obtenção de um diploma do ensino superior parece ser uma regra imutável para se inserir com sucesso no mercado de trabalho. A universidade é vista como um caminho natural que todos devem seguir. Contudo, a realidade do mercado de trabalho vem impondo uma nova dinâmica que, ao meu ver, faz mais sentido.
Ao contrário do que muitos pensam, a faculdade não deveria ser para todos. Essa parece ser uma visão elitista, mas não é, pois há uma lógica muito coerente nessa forma de pensar. Nos países desenvolvidos, o investimento no ensino superior é bem alto e focado nos jovens com maior potencial de desenvolvimento intelectual, isto é, o mérito para entrar nas universidade é algo levado muito a sério.
Entre as pessoas de 25 a 34 anos, 33% fizeram ensino superior na Alemanha, enquanto a média da OCDE é de 45%. Na mesma faixa etária, 46% na Alemanha concluíram o ensino profissional, enquanto na OCDE são 24% (https://www.dw.com/pt-br/como-funciona-o-sistema-educacional-na-alemanha/a-59002478). Esses dados dizem muita coisa, já que menos da metade dos jovens da OCDE concluíram o ensino superior (apenas 33% na Alemanha) e quase a metade dos jovens alemães fizeram o ensino profissionalizante. Mesmo assim, os jovens, apenas com ensino profissionalizante ou cursos livres, conseguiram se inserir no competitivo mercado de trabalho dos países da OCDE.
Isso nos mostra claramente que o ensino superior não é um pré-requisito para entrar no mercado de trabalho, já que a simples obtenção de um diploma não garante necessariamente a aquisição de habilidades emergentes em nossa sociedade.
No Brasil, se observarmos ao nosso redor, não é incomum encontrarmos motoristas de Uber formados em engenharia ou direito. Isso ocorre, em grande parte, porque nossos cursos superiores nem sempre apresentam currículos que estão em consonância com as necessidades da sociedade e do próprio mercado de trabalho. Dessa forma, muitos são enganados ou ludibriados pela ideia simplista de que um diploma, por si só, pode garantir uma boa colocação profissional.
Em geral, quando pensamos no ensino formal, o curso profissionalizante deveria ser o caminho natural para a maioria dos jovens, pois é bem menos dispendioso e geralmente está mais conectado com as necessidades do mercado. Assim, os jovens podem ingressar na profissão com mais facilidade e agilidade. Essa lógica precisa ser melhor difundida e introjetada na cultura brasileira.
Por outro lado, os cursos superiores brasileiros precisam se reinventar, se conectando ao mercado e se articulando mais fortemente com os anseios da sociedade. Para isso, é preciso atualizar e melhorar a estruturação dos currículos, além de aprimorar os sistemas de avaliação, com o intuito de qualificar os cursos e garantir formandos verdadeiramente graduados e com o domínio de conhecimentos e habilidades realmente úteis para o desenvolvimento social e econômico, bem como para a melhoria do ambiente de inovação brasileiro.
A dissonância entre os currículos trabalhados em nossas universidades e as reais necessidades do mercado de trabalho brasileiro é, provavelmente, um dos maiores gargalos da educação no país. Isso nos leva a um atraso educacional insanável e ao desperdício de muitos recursos públicos, além de enganar aqueles que ainda acreditam na força de um diploma sem o devido arcabouço de domínio de conhecimentos úteis e aplicáveis dentro do mercado de trabalho.
Hoje, no Brasil, vivemos uma era de “apagão” de mão de obra qualificada. Faltam professores, engenheiros, desenvolvedores de softwares e muitos outros profissionais em diversas áreas estratégicas. Esse estado de coisas é desolador e, infelizmente, no momento, não vemos sinais de mudança de rumo do setor educacional brasileiro.
Apenas uma grande mudança de paradigma educacional poderia nos colocar nos trilhos certos para o desenvolvimento de recursos humanos qualificados para o mercado de trabalho atual. É preciso focar na qualidade educacional e aquisição de competências de forma mais ampla, transcendendo a ideia de promover o ensino superior para todos e abraçando a possibilidade de uma educação com um foco mais prático e conectada às reais necessidades da sociedade brasileira.