Ao estabelecer uma “política de relacionamentos”, é importante que a empresa reconheça que sentimentos e comportamentos não podem ser regulados por regras.
Relacionamentos amorosos no ambiente de trabalho são sensíveis e, ao mesmo tempo, inevitáveis. Mas afinal, até onde isso é permitido? Existe um manual que diz o que pode e o que não pode? O que é certo ou errado em um contexto onde emoções e hierarquias se cruzam? A resposta é: depende. Depende da empresa, da política interna, da maturidade das pessoas envolvidas, mas, principalmente, depende do poder, o que nos faz também ter um olhar para o tema envolvendo gênero.
O primeiro passo para as empresas é ter um posicionamento fixo e regras claras sobre como vão lidar com relacionamentos. Independentemente do nível hierárquico, da posição ou do gênero dos envolvidos, essas normas precisam ser aplicadas uniformemente.
Ao criar uma “política de relacionamentos” a empresa deve ter em mente que não se pode controlar com regras os sentimentos ou comportamentos. Embora a empresa não tenha controle sobre a vida pessoal dos funcionários, ela tem o direito de gerir a forma como isso impacta o ambiente de trabalho.
É imprescindível que as pessoas saibam e entendam o que está em jogo quando decidem se envolver romanticamente no ambiente profissional. Assim, a transparência e a clareza nas políticas ajudam a prevenir conflitos e evitar acusações de discriminação ou favorecimento.
Como medidas práticas, podemos sugerir às empresas:
Exija que os relacionamentos sejam reportados: A comunicação é chave. Exigir que os empregados informem sobre relacionamentos amorosos permite que a empresa gerencie situações de forma proativa, evitando ser pega de surpresa com conflitos de interesse, especialmente em casos de subordinação direta.
Explique sobre comportamentos inadequados: As empresas devem ser explícitas sobre o que consideram comportamentos inapropriados no ambiente de trabalho. Demonstrar afeto em público, por exemplo, é desconfortável para outros colegas, totalmente inadequado na presença de clientes, e com certeza deve ser evitado.
Comunique as políticas de relacionamento: As regras precisam ser divulgadas para todos os funcionários assim que ingressam na organização, de forma que não haja mal-entendidos. A empresa pode incluir essas políticas no manual do funcionário e realizar treinamentos para reforçar as diretrizes.
Esclareça as consequências: Situações de assédio ou abuso de poder em um relacionamento amoroso no trabalho devem ser motivos de demissão por justa causa. Assim como situações de confusão entre o relacionamento pessoal e as obrigações profissionais. É importante que os empregados saibam as consequências de ultrapassar esses limites.
Oriente toda a equipe: toda a cultura corporativa deve refletir esses valores de respeito e ética nas relações, de forma prévia e proativa. Não é adequado que se criem regras direcionadas para um casal ou para uma pessoa específica, assim, a equipe toda precisa estar alinhada com essas expectativas, promovendo um ambiente de trabalho saudável.
Um ponto que não pode ser ignorado é a questão do poder e do gênero. Quando o relacionamento amoroso envolve pessoas em diferentes níveis hierárquicos, há uma relação de poder desigual que pode mascarar situações de assédio ou coação.
E sejamos honestos, a maioria dos cargos de liderança ainda é ocupada por homens, em condições de heteronormatividade. Quando o chefe se envolve com uma funcionária mais nova, sua subordinada, há uma relação de poder desequilibrada. Será que essa mulher está mesmo interessada? Ou será que se sente pressionada a aceitar as investidas para proteger seu cargo ou avançar na carreira?
E sob o ponto de vista do homem na posição de liderança: ele está preparado para enfrentar acusação de assédio? Lembrando que isso pode ocorrer ainda que suas intenções tenham sido genuínas e sem o objetivo de constranger, pois podem ter sido interpretadas de forma diferente do desejado.
Apesar de todo o cuidado com a implementação de regras e políticas claras, há um antigo ditado popular que ainda faz sentido nos dias de hoje: “onde se ganha o pão, não se come a carne”.
Relacionamentos amorosos no trabalho são uma zona de risco. Quando mal geridos, podem prejudicar tanto a vida profissional dos envolvidos quanto a cultura organizacional. Portanto, é essencial que empresas e empregados saibam lidar com esses limites de forma ética e profissional, protegendo-se de potenciais conflitos e assédios. O que está em jogo, afinal, não é só o romance, mas o respeito e a integridade dentro do ambiente de trabalho.
Claudia Abdul Ahad Securato -advogada especialista na área trabalhista, sócia do escritório Securato & Abdul Ahad Advogados e professora na Saint Paul Escola de Negócios.