O tema da pandemia do Covid-19, maior crise sanitária do nosso século, que tem mudado o mundo de cabeça para baixo desde março de 2020, provocou outros efeitos de saúde indesejados, além dos sintomas mais comuns. Estresse, burnout, depressão e outras patologias psiquiátricas aparecem como consequência da quarentena estendida, do excesso de trabalho (dentro e fora dos hospitais) e das incertezas quanto à economia, o medo da doença, entre outros. Sugestões para tratamento também não faltam, e vão desde a orientação em procurar o especialista médico ou psicólogo, até alternativas como meditação e técnicas de mindfulness no trabalho.
Em pesquisa da IPSOS, encomendada pelo Fórum Econômico Mundial, a maioria da população brasileira (53%) afirma que sua saúde mental piorou neste ano de pandemia, com aumento de casos de ansiedade e depressão, e poderia se acrescer crises de pânico, esgotamento emocional e estresse pós-traumático.
Em breve pesquisa feita realizada pela Ateliê RH pelo LinkedIn sobre o impacto da pandemia sobre a personalidade das pessoas, a maioria (78%) respondeu que sua personalidade mudou totalmente (52%) ou um pouco (28%). Entretanto, pesquisa realizada pela Hogan Assessments, comparando os resultados de milhares de avaliações no mesmo período este ano, com resultados pré-pandemia, não encontrou nenhuma diferença estatisticamente significante sobre a personalidade.
Na realidade, estes resultados confirmam o conceito de que a personalidade, formada na infância e adolescência, já bem consolidada na vida adulta, nos predispõe a ter mais facilidade para expressar certos comportamentos e atitudes frente às outras pessoas e aos problemas e crises com que nos deparamos. As pessoas pesquisadas conseguem diferenciais “estou assim, mas não sou assim”, ou sejam, o que é nossa personalidade e o que são comportamentos temporários decorrentes da situação problema. Eventos como a alta demanda emocional gerada pela pandemia, com máscaras, álcool em gel, distanciamento social e luto de entes queridos, sem dúvida dispararam doenças emocionais, como ansiedade e depressão que, dependendo do grau requerem tratamento especializado de psiquiatras e psicólogos.
É o caso de um executivo bem sucedido, avaliado pela metodologia Hogan alguns anos pré-pandemia, que apontava traços de sua emocionalidade, empatia deficitária, desajustamento social e outros transtornos. A pandemia despertou um surto de bipolaridade que destrói sua vida profissional e pessoal – o detonador do Covid-19 acionou uma bomba-relógio prematuramente.
Rotina online também afeta a saúde mental
Uma pesquisa, realizada pela Universidade de Stanford em fevereiro deste ano, revelou a existência de uma “fadiga de Zoom”, cujos sintomas são dores de cabeça, depressão e crises de ansiedade. O efeito ocorre por conta do excesso de contato visual (desconforto e cansaço), olhar o tempo inteiro para a própria imagem (baixa autoestima, distração e ansiedade), falta de movimentação física (sedentarismo, má circulação, postura corporal prejudicada) e excesso de esforço para se fazer entender (estresse, irritabilidade, cansaço físico e mental).
Um exemplo desse caso é de um executivo que conduz negociações até bilionárias, e que está há um ano em home-office, em sucessão de reuniões de Zoom bem além do horário que costumava ter no período presencial e, como resultado, desenvolveu uma insônia bem resistente a medicamentos; a falta de uma cisão entre o ambiente de trabalho e a casa traz efeitos dos quais não temos consciência, mas o corpo tem e acaba falando também. O próprio autor deste texto desenvolveu uma tenossinovite que já demanda seis meses de fisioterapia e medicamentos homeopáticos e alopáticos.
Em contatos por Zoom, com inúmeros clientes da consultoria, encontramos as mesmas reclamações de que o home-office trouxe uma liberdade e autonomia individuais para os profissionais conjugarem suas vidas profissional e pessoal. Só que não. Em muitas empresas, onde os calendários são compartilhados, as agendas são furiosamente invadidas por mais reuniões que mal liberam tempo para as necessidades fisiológicas básicas; acabou aquele tempo do trajeto de um departamento a outro, ou de visitas a clientes em outro bairro ou cidade. É tudo na tela.
A personalidade em jogo
Com exceção das doenças mentais e físicas causadas por essa nova realidade de trabalho, é possível entender, com o uso de testes de personalidade, como as pessoas lidam com a rotina digital.
Pessoas de personalidade mais assertiva, por exemplo, desejosas de chamar atenção e reconhecimento o tempo todo, alguns talvez até arrogantes, que acham que estão sempre agradando, acima da crítica dos outros, acreditam ser o “Rei do Zoom”. Essas pessoas sofrem bem menos do que pessoas humildes, introvertidas, autocríticas, perfeccionistas, tímidas, necessitadas de aprovação e pertencimento do grupo que se sentem impotentes de recusar todas as oito reuniões de Zoom durante um dia – não pode dar em outra coisa do que esgotamento emocional, ou síndrome do burnout no conjunto das doenças mentais.
Não se propõe uma resposta simples a estas diferenças de personalidade que trazem uma bela diversidade no convívio das pessoas e produtividade das equipes de trabalho. O tratamento de casos já em nível patológico pode requerer medicações com acompanhamento psiquiátrico. Por outro lado, em termos de ideias de prevenção, entram as inúmeras técnicas citadas como mindfulness (cuidado do corpo, alma, mente, respiração, sono, alimentação) e gestão do tempo.
No entanto, todos estes métodos devem ser acompanhados de uma revisão de nosso autoconhecimento, com foco estratégico sobre o que, de fato, conta para nossa reputação e que se conecta com nossos propósitos, valores e sonhos, para colocarmos limites saudáveis de fronteiras entre nossas vidas conjugal, familiar e a profissional. Muitas vezes, numa crise sanitária, mental e econômica, como vivemos há mais de um ano e com longínquo e dúbio fim do túnel, este processo de revisão de quem somos e o que queremos ser poderá ser muito facilitado por um processo de coaching (se for algo focado na vida profissional) ou idealmente, um processo psicoterápico em vários formatos (inclusive por Zoom) que pode se apoiar em instrumentos de avaliação de personalidade, entre outros.
Por Roberto Affonso Santos – diretor da Ateliê RH