O ambiente do metrô apresenta circunstâncias traumáticas e conflituosas aos trabalhadores
Líderes do sindicato dos metroviários de São Paulo fizeram um pedido que tem todo meu apoio, pois sou contra as greves que, tantas vezes, já convocaram, prejudicando a população que depende de transporte público.
A solicitação do sindicato à Fundacentro para que o órgão elaborasse uma pesquisa sobre as condições de trabalho da categoria, com o objetivo de identificar os fatores reais de adoecimento e de acidentes na atividade, teve um bom propósito: permitiu aos pesquisadores comparar a legislação escrita no papel com as ações reais do dia a dia dos metroviários. Explico: o objetivo da pesquisa, que foi conduzida pela Fundacentro, em 2015, era identificar realmente o que favorece os acidentes e as doenças ocupacionais entre os trabalhadores do metrô.
Mas, afinal, qual era dúvida dos trabalhadores quanto aos riscos, se a empresa mantém os instrumentos legais em saúde e segurança do trabalho? Cito o PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) realizados pela gestão de SST. Esses documentos não são fiéis ao que acontece ao vivo e a cores nas operações do metrô? Foi o que a pesquisa buscou saber.
De acordo com Maria Maeno, médica e pesquisadora da Fundacentro, o estudo foi ao encontro de uma discussão recorrente, que tem chamado a atenção dos especialistas. “Em que medida o atual sistema brasileiro de prevenção de acidentes e doenças do trabalho vem cumprindo o seu papel? Há muitos anos, um grupo de pesquisadores tem feito reflexões sobre a efetividade do sistema existente no Brasil de proteção da saúde dos trabalhadores e da prevenção de acidentes”, analisa Maeno.
Para ela, o problema é que, no País, a exigência de documentos produzidos ou encomendados pelas empresas cria um sistema cartorial de pouca efetividade. “Esses documentos, em particular o PCMSO e PPRA, geralmente fazem uma descrição da legislação, o que é desnecessário, e ocupam-se pouco da análise das condições de trabalho ou da saúde dos trabalhadores. O foco do PPRA, por exemplo, está muito mais em se fazer medições de ruído, iluminação e avaliação de substâncias químicas realizadas de forma inadequada e, pior, descontextualizadas da organização do trabalho real”, explica. Maeno exemplifica que, no caso do PCMSO, as empresas somente fazem, muitas vezes, um compilado dos exames médicos dos trabalhadores, mas também sem a necessária contextualização das condições de trabalho. “A evidência de nossa convicção é a ocorrência ainda de acidentes tradicionais, com mortes e mutilações, além de doenças como silicose e problemas de transtornos psíquicos, apenas para citar os mais emblemáticos”, aponta.
Ela lembra que, em muitas das empresas onde ocorrem esses eventos, havia o PCMSO e PPRA, entre outros documentos. Agora, o que as empresas não têm feito é a análise das condições de trabalho. Para resumir: a legislação que orienta o sistema de gestão em SST não tem mostrado efetividade no combate aos acidentes e às doenças ocupacionais. “E, pior, esse mecanismo é utilizado pela previdência social para avaliar a existência do nexo causal entre a doença e o trabalho”, afirma.
Dessa forma, a demanda do sindicato dos metroviários foi uma oportunidade aos pesquisadores para avançar na compreensão dessa situação. “A principal queixa do sindicato era justamente a grande diferença entre a realidade do ambiente do trabalho dos metroviários e o que o metrô reconhece formalmente como situação de riscos para os trabalhadores”, informa.
As lideranças dos metroviários apresentaram as críticas quanto à forma que as condições de trabalho eram registradas pelo metrô, mostrando que o que eles registram não tem correspondência com a realidade dos profissionais.
Daí partiu-se ao estudo, que teve abordagem qualitativa e método de análise coletiva de trabalho. Por meio de reuniões com grupos de trabalhadores de atividades diversificadas, foi possível integrar o conhecimento técnico e a percepção da atividade, “pois ninguém melhor do que o trabalhador para conhecer a sua atividade”, diz Maeno. Documentos do metrô foram analisados, como o PCMSO e relatório de sustentabilidade, produzidos pela Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) do metrô.
Resultado: é claro, a pesquisa identificou vários problemas enfrentados pelos metroviários. Os operadores de trem, por exemplo, sofrem com o sistema de turnos alternados, isolamento físico e excesso de ruído, sonolência e lapso de memória. O pessoal de manutenção tem dores nos braços e coluna por posições inadequadas. Muitos agentes de segurança têm problemas psicológicos, porque vivem constantemente em conflito com os usuários e as ordens prescritas pela empresa. Há problemas decorrentes da obesidade, como hipertensão e diabetes. Eles enfrentam dificuldades relacionadas ao baixo contingente de trabalhadores para atender um volume grande de trabalho. Os trens têm hora para recolher e hora bastante definida para começar a trafegar, com isso o pessoal da manutenção precisa correr para colocá-los na linha no horário.
Há situações de agressões diariamente, ou seja, é um cotidiano bastante conturbado para os agentes de segurança e profissionais que lidam com o público. Além das situações mais críticas, como são os casos de suicídios de usuários que ocorrem dentro do metrô, traumatizando, muitas vezes, o operador de trem. O ambiente do metrô apresenta circunstâncias traumáticas e conflituosas aos trabalhadores. Com isso, a pesquisa comprovou que o que está prescrito nos documentos de gestão de SST não necessariamente faz parte da (dura) realidade dos metroviários.
Por Emily Sobral – www.segurancaocupacionales.com.br
Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)