No Brasil, as pessoas com deficiência ainda precisam ocupar mais espaços sociais, inclusive no ambiente de trabalho
Flávia Albaine – Defensora Pública e especialista no Direito das Pessoas com Deficiência
O direito das pessoas com deficiência ao trabalho encontra respaldo jurídico no artigo 27 da Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência (incorporada pelo Brasil com status constitucional), nos artigos 34 e 35 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, dentre outras legislações. Entretanto, apesar dos direitos garantidos, esse grupo de pessoas ainda encontra enormes dificuldades para o exercício do direito fundamental ao trabalho.
O primeiro grande obstáculo enfrentado pelas pessoas com deficiência dentro dessa seara é o acesso à vaga de emprego, eis que ainda prevalece na nossa sociedade a crença em estereótipos equivocados de que são pessoas doentes, fracas e que não possuem condições de ofertar uma mão de obra qualificada, o que faz com que muitas não sejam contratadas.
Para contornar esse primeiro grande obstáculo, no Brasil há políticas afirmativas de cotas para a contratação de pessoas com deficiência tanto no setor público como no setor privado, e que objetivam reverter esse histórico de marginalização social. Nesse sentido é o artigo 37, VIII, Constituição Federal de 1988, Lei 8.213 de 1991, e outras.
Mas apesar da legislação existente prevendo as cotas, há projetos de lei brasileiros em tramitação e que significam ameaças para os direitos conquistados. Exemplo de tal situação é o projeto de lei 6159/19 que causa um esvaziamento da lei de cotas na medida em que traz previsões como o fato de a cota de aprendiz ser computada também para a cota de pessoa com deficiência, diminuindo mais uma vaga no mercado. Ademais, ficam excluídas das cotas as seguintes situações: atividades cuja jornada não exceda a 26 horas semanais (que são exatamente as jornadas ideais para as pessoas com deficiência), atividades ou operações perigosas, e atividades que restrinjam ou impossibilitem o cumprimento da obrigação (expressão vaga e que dá ensejo ao empregador incluir a atividade que quiser para não observar o sistema de cotas). E mais: as empresas de prestação de serviços terceirizados e temporários que prestam serviços aos órgãos públicos estariam desobrigadas de cumprir as cotas.
Uma vez superada a fase da contratação, e já estando a pessoa com deficiência contratada, os desafios continuam na medida em que muitas empresas realizam apenas a integração dessas pessoas e não a verdadeira inclusão no ambiente laboral. Na integração a empresa exige que a pessoa com deficiência se adapte ao ambiente. Já na inclusão a empresa está preocupada com a eliminação das barreiras (que podem ser de diversas espécies) de forma a proporcionar o exercício do trabalho com o maior grau de autonomia possível e em condições de igualdade com os demais trabalhadores. Nesse último caso a empresa investe em acessibilidade e tecnologia assistiva para pessoas com deficiência, além de adotar uma política interna de combate ao capacitismo, motivação, aceitação e qualificação.
No Brasil, as pessoas com deficiência ainda precisam ocupar mais espaços sociais, inclusive no ambiente de trabalho. Para tal, deve haver investimento em políticas de empoderamento dessas pessoas e de incentivo à contratação e efetiva inclusão de tal mão de obra.