Há uma polêmica nas mídias sociais entre Ícaro Silva e Tiago Leifert mobilizando fortes opiniões sobre um e outro. Tudo teve início quando Ícaro disparou opinião sobre o BBB (Big Brother Brasil), dizendo que tem “ódio por entretenimento medíocre” e que jamais toparia ser confinado nesse reality.
Incomodado com a declaração, Leifert, que foi o apresentador do BBB por várias edições e não apresentará o reality neste ano por opção pessoal, respondeu afirmando em relação ao artista que “sua opinião sobre realities não é uma crítica construtiva e, sim, apenas uma agressão gratuita a quem nunca te fez mal (aliás, não só não te fizemos mal como provavelmente pagamos o seu salário nessa última aê!)”.
Em seguida, Ícaro, em réplica, respondeu a Tiago que “imagino que para ter escrito um textão desse (o que não ocorreu nos casos de racismo, intolerância religiosa, misoginia, homofobia e abuso sexual no programa que você apresentava) é porque de fato te atravessei”.
Se Ícaro e Tiago, apesar de discordarem frontalmente, mantiveram um debate caloroso, acusatório, porém, educado, o mesmo não pode se dizer do que ocorreu nas mídias sociais. Imediatamente, após o início da polêmica, surgiram fortes mensagens, com pesadas acusações contra os dois protagonistas.
Contra Ícaro levantaram-se os defensores do reality que interpretaram a fala do ator como “elitista”, “esnobe” e outros adjetivos, por desprezar (ou dar essa impressão) uma forma de entretenimento bastante popular e com mais de 20 edições. Provavelmente, não foi essa impressão que Ícaro quis passar, ele apenas deu sua opinião (ainda que acalorada) sobre o reality e posicionou-se em virtude de boatos que diziam que ele estaria na próxima edição do BBB, a iniciar-se agora, em janeiro.
Mas, contra Tiago a indignação foi bem maior. Interpretou-se a frase “pagamos seu salário” como uma manifestação de “supremacia branca”, “visão burguesa”, “modo de vida dos que usam sapatênis”, dentre tantos outros adjetivos mais fortes. Leifert foi na prática identificado como uma elite opressora e fisiológica (que teria conseguido seu emprego na Globo apenas por seu pai ter influência na emissora).
A polêmica é, na realidade atual, maior do que as mensagens trocadas. Inicialmente, mostra como é delicado e quase temerário expor uma opinião nas mídias sociais. Desaprendemos a respeitar as opiniões do outro. O que Ícaro fez foi apenas expressar sua opinião, que qualquer um de nós pode concordar ou não. Mas as redes são cruéis, julgam e colocam rótulos. E mais, redes funcionam em bolhas (por exemplo, na política direita segue direita e vice-versa) e qualquer pessoa que tente fugir dessa limitação logo é execrada. Na bolha não há espaço para opiniões diversas daquelas comungadas pelo grupo. Questionar algo é ser chamado de “infiltrado”, “traidor” etc.
No caso de Tiago, outras questões aparecem. Ao tomar as dores do reality e da emissora, Leifert foi visto como um porta voz do RH da empresa. Só que o mais grave para as mídias sociais foi a alegação “nós pagamos seu salário”. A leitura da mensagem de Tiago e sua postura pública ao longo dos anos faz crer que a intenção da frase foi mostrar que, não adianta desprezar o reality, pois ele gera muita receita para a empresa e colabora, e muito, para cobrir a folha de pagamento.
Por isso, não há como deixar de refletir sobre o policiamento que as redes impõem. Uma pessoa, sobretudo pública, pode ser muito bem avaliada e ter uma trajetória de trabalho e correção, mas uma declaração infeliz pode causar muitos danos, cancelamento nas redes e boicotes a seu trabalho ou empresa. É um policiamento cruel, implacável e de variadas nuances.
E cabe uma reflexão sobre o policiamento de tom, negros devem se comportar de uma determinada maneira, de acordo com estereótipos para que sejam devidamente respeitados. Nesse tipo de policiamento, não interessa o conteúdo da mensagem transmitida, foca-se na sua emocionalidade. É um movimento inconsciente da pessoa branca ao exigir certos tipos de postura de negros.
Nas mídias sociais interpretou-se a postura de Leifert até como “racismo” por conta da carteirada do “pago seu salário” e muito se falou também em tratar-se de um policiamento de tom. Tiago nunca se mostrou racista, pelo contrário, já chamou a atenção de participantes do reality que criticavam e não entendiam um penteado black power. Do outro lado, Ícaro é um exemplo de superação, por sua história de vida e possui talento infinito e como ele mesmo admitiu foi dramático em suas críticas e possui amigos que são ex-BBBs.
Que de todo esse imbróglio leve-se os pontos positivos, que o debate permita boa reflexão sobre opiniões, policiamentos e tantas outras questões e que se amadureça cada vez mais para debates de ideias e não de ofensas.
Francisco Gomes Júnior – Advogado Especialista em Direito Digital e Crimes Cibernéticos. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Instagram: fgjr