Uma pesquisa realizada com 500 grandes empresas revelou que 90,1% dos cargos gerenciais são ocupados por profissionais brancos, enquanto 6,3% por pessoas negras ou pardas. Ao subir os degraus da hierarquia, a ocupação por profissionais negros fica ainda mais discreta. Não haveria absurdo se essas empresas estivessem localizadas em um país onde a maioria da população fosse branca.
Trata-se, no entanto, de um levantamento do Instituto Ethos (2015) no Brasil, país cuja população de autodeclarados negros ou pardos é de 55,8% (IBGE-2019). Infelizmente, a estatística não surpreende e reforça que falar sobre diversidade começa por entender os impactos da desigualdade social.
A tal desigualdade que discutimos há anos e que ainda peregrinamos em um caminho aparentemente sem fim reverbera nas organizações. O ensino universitário no Brasil foi lançado há mais de 200 anos, mas apenas em 2019 a participação de estudantes negros e pardos aparece como maioria: 50,3% (IBGE). Portanto, é natural (não normal) que os cargos de liderança, quando caracterizados por questões raciais, sigam sendo desproporcionais ao perfil da população.
Sendo um movimento natural, caberia às organizações apenas aguardarem essa população discente se graduar para alavancar suas carreiras? Não, as empresas não precisam (e nem devem) repousar passivamente. Pelo contrário, devem usar seu papel para agir e influenciar. A Ford segue esse caminho. Desde o ano passado, escancaramos as portas para assuntos voltados à diversidade e inclusão. Um comitê e cinco grupos de afinidade foram criados para desenvolver, planejar e tomar ações rumo à equidade nas vertentes: racial, pessoas com deficiência, gênero, orientação sexual e gerações.
Entre esses grupos está o FAAN (Ford Employees African Ancestry Network), destinado ao debate de questões raciais e que reúne mais de 60 empregados de todas as unidades da Ford no Brasil. Juntos, planejamos ações focadas principalmente na educação sobre o tema e no desenvolvimento de carreira, por meio de palestras e talk shows com especialistas para nosso público interno.
Quando fui apresentada ao projeto e convidada para assumir o FAAN no Brasil, aceitei sem titubear. Primeiro, por me identificar pessoalmente com a proposta e, segundo, por saber que poderíamos acelerar as discussões e ações sobre diversidade e inclusão na esfera organizacional. Falo pessoalmente, porque, como negra, de origem periférica e filha de mãe solo, sei os obstáculos que enfrentam aqueles que não nasceram cercados de privilégios.
Cheguei na Ford há quase 18 anos, quando participei de um processo de seleção para estagiários. Na etapa de entrevista, ouvi do antigo gerente da área, que mais tarde se tornaria diretor e meu mentor, que eu era uma boa candidata, mas por conta da complexidade das atividades, era necessário alguém que pudesse estagiar por dois anos, e eu já estava terminando a faculdade. Além disso, o meu inglês era básico. Talvez por ter respondido que aprenderia em um ano o que outro candidato levaria dois, eu tenha sido informada no dia seguinte que a vaga era minha. Desde então, passei por várias áreas no departamento de Compras, fui promovida a gerente e trabalhei por um ano e meio nos Estados Unidos, após ser selecionada em um processo interno global.
Quantos estudantes negros ou pardos são dispensados de oportunidades em grandes empresas por não terem tido o privilégio de estudar inglês na infância ou adolescência? Quantos talentos as empresas têm deixado escapar por não estarem atentas a outras habilidades e experiências? Sou um ponto fora da curva e não há o que celebrar quando se percebe a grande potência que seríamos como sociedade se finalmente estivéssemos em um patamar de equidade.
A pesquisa citada no primeiro parágrafo mostra que ainda temos um longo caminho, mas quanto mais empresas entenderem a necessidade urgente de incluir diversidade e inclusão em suas pautas, seus impactos sociais e todas as suas vantagens competitivas, mais próximos estaremos desse cenário. Neste sentido, tomar como referência uma das sete verdades da Ford global – “Colocar as pessoas em primeiro lugar” – pode ser o primeiro passo.
Por Malvina Rebouças, gerente de compras da Ford