Você sabia que a Sheryl Sandberg e Michelle Obama confessaram sentirem-se impostoras em algum momento? O que seria esse sentimento que tantas mulheres sentem? Será mesmo uma síndrome? Será que não existem outros motivos que nos fazem sentir assim?
Em 1978, as psicólogas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes da Universidade do Estado da Georgia estudaram o “fenômeno impostor”, focado em analisar o comportamento e sentimento de 150 mulheres que desempenhavam acima da média em suas profissões. As psicólogas identificaram que apesar das realizações acadêmicas e profissionais das mulheres que participaram da pesquisa, elas persistiam em acreditar que não eram brilhantes e que – pasmem – além de não serem brilhantes, estavam enganando quem acreditava no contrário.
E foi através desse estudo que se criou a famosa “síndrome do impostor”. A própria Sheryl Sandberg, COO do Facebook, comenta em seu livro “Lean In” que acreditava que através do seu sucesso estava “enganando a todos mais uma vez’”. E é assim que muitas mulheres, inteligentes, brilhantes, competentes se sentem na medida que crescem em suas carreiras. Por quê? O que será esse sentimento? É patológico?
A síndrome do impostor é um padrão psicológico, um sentimento, no qual um indivíduo dúvida de suas habilidades e tem medo de ser exposto, revelado como uma fraude. Apesar de ter o nome “síndrome”, a Organização Mundial da Saúde não reconhece a síndrome como uma doença.
De acordo com um artigo recente escrito por Ruchika Tulshyan e Jodi-Ann Burey publicado no Harvard Business Review, as autoras questionam a construção do conceito da existência de uma síndrome para um mero sentimento comum de “insegurança”. Insegurança deveria ser um sentimento natural, normal, principalmente quando paramos para entender a origem do sentimento. Não seria esse um sentimento natural quando existem tão poucas mulheres em cargos de liderança? Quando somos minoria em uma sala? De acordo com as autoras, o sentimento de insegurança não deveria ser suficiente para tornar alguém um impostor.
As autoras comentam: “O rótulo de síndrome do impostor é um fardo pesado para carregar. ‘Impostor’ traz um toque de fraude. Acrescente a isso o tom médico de ‘síndrome’, que lembra os diagnósticos de ‘histeria feminina’ do século XIX.” Concordo com elas. Pesado o termo. E o sentimento, então?
Elas comentam que o conceito é individualista e coloca a culpa nos indivíduos, sem levar em consideração os contextos sociais e culturais responsáveis pela manifestação do sentimento. “A síndrome nos direciona a buscar consertar o individuo ao em vez de consertar a sociedade.” A realidade é que o problema não é do indivíduo. O problema também não é uma patologia. O que seria ele então? A sociedade está buscando uma solução individual para uma questão “desproporcionalmente causada por sistemas de discriminação e abusos de poder”, dizem as autoras.
Tenho que concordar com as autoras que o sentimento de não pertencimento é real e completamente natural. Como elas dizem tão perfeitamente em seu artigo: “Nós não pertencemos porque os ambientes de trabalho não foram construídos para pertencermos. Nossa presença na maioria desses espaços é resultado de décadas de ativismo de base e legislação.” E é isso que a síndrome não endereça. Por que nos sentimos assim? Não seria natural sentir-se inseguro quando a inclusão e participação das mulheres no mercado de trabalho e no mundo acadêmico não veio de forma natural, organica, e sim, “a contragosto”?
É hora de pararmos de nos diagnosticar como impostoras. Precisamos desconstruir a ideia de que existe algo de errado conosco. Não existe uma síndrome. O sentimento é fruto de uma cultura excludente pela qual lutamos para pertencer. Esse pertencimento só virá quando entendermos que não somos o problema. Há quem diga que somos a solução.
Cynthia Catlett é idealizadora do Women’s Network, grupo de empoderamento feminino no Brasil que reúne centenas de mulheres para discutir questões relacionadas a equidade de gênero.