É comum vermos previsões para o futuro. Está centrada em uma das capacidades fundamentais da espécie humana a capacidade de fazer previsões. É um diferencial. Pensar em causas e consequências, tratar das relações entre variáveis e, partindo de modelos lineares até a expressão máxima de complexidade, buscamos saber o que nos espera. Só a nossa espécie consegue fazer este exercício de imaginação e construir possíveis cenários. Desde o mais óbvio deles até o mais surpreendente e, provavelmente, utópico. O que é menos comum é buscar fazer previsões sobre quem nós seremos no futuro. Não me refiro a esse “nós” coletivo que representa os caminhos da humanidade. Estou me referindo ao futuro de cada um de nós isoladamente.
Quando o tema é o nosso futuro pessoal, temos dificuldade em projetar quem seremos no futuro. Fazemos planos, temos sonhos, vivemos ansiedades e referenciamos modelos. Mas estabelecer relações de causa e consequência entre aprendizados, comportamentos desenvolvidos, competências adquiridas e o que podemos nos tornar é mais raro. A razão pra isso reside justamente na enorme quantidade de variáveis que estão em jogo. Mas um ponto que vale a pena explorarmos é o quanto atribuímos a eventos externos a nós a grande responsabilidade pelo nosso futuro. Em tempos de avanço tecnológico exponencial, quem você será daqui 5 ou 10 anos? Como tem planejado sua interação com inteligência artificial e máquinas que aprendem padrões de comportamento de dados e usam estes aprendizados para modificarem o ambiente que vivemos? Os eventos externos a que estaremos submetidos em um futuro próximo são ainda mais desafiadores para a nossa capacidade preditiva.
E se mudarmos o ponto de observação e considerarmos os eventos internos? Será que ao analisarmos nossas dinâmicas internas e aprofundarmos os questionamentos sobre como estas dinâmicas se estabelecem podemos aumentar nossa capacidade preditiva? Há um ditado antigo que se aplica perfeitamente ao raciocínio que quero desenvolver: “Deus dá o frio conforme o cobertor”. Guardada a influência religiosa, podemos destacar esta relação interessante entre desafio e recurso que a humanidade conseguiu estabelecer ao longo do tempo. Da mesma forma que a tecnologia está nos trazendo novos desafios, ela também é responsável pelas principais oportunidades que dispomos hoje.
Digo isso justamente a partir da perspectiva da capacidade de predizermos quem seremos no futuro. Os estudos sobre o funcionamento e a dinâmica relacional entre cérebro, psique e mente também puderam avançar substancialmente por causa da tecnologia. Já temos recursos para compreender a estrutura e função do nosso sistema emocional como nunca tivemos antes. Também podemos explorar as relações entre fluxo consciente de pensamento e dinâmicas inconscientes interferindo na tomada de decisão e na qualidade de nossos comportamentos e relacionamentos. Há novos dados sobre o ser humano que podem ser usados para o enriquecimento da nossa capacidade preditiva sobre nós mesmos.
Para quem acompanha o avanço da tecnologia não é novidade que já temos tentativas grandiosas de conectar cérebros humanos a máquinas. Este conceito de inteligência humana aumentada pela interação com a inteligência artificial é muito sedutor. Mas o risco de sermos subjugados existe e reside justamente em darmos preferência para o desenvolvimento de recursos externos e não cuidarmos dos recursos internos. É fundamental usar a neurociência e suas descobertas fundamentais sobre nós mesmos para poder integrar-se ao avanço tecnológico, podendo extrair o que há de melhor nele para a construção do futuro particular de cada um de nós.
Um exemplo disso está nos aplicativos de gerenciamento de tempo e tarefas que podem atuar como um banco de dados apenas ou pode evoluir para uma função de aconselhamento, auxiliando na priorização e escalonamento de atividades. A única forma de um aplicativo como este ser realmente útil é você conhecer como a procrastinação funciona na sua dinâmica cerebral já que, em última instância, quem terá que colocar a mão na massa e realizar a atividade é você mesmo, a não ser que o que você faça possa ser completamente substituído pela máquina (neste caso, sugiro que procure outra atividade profissional rapidamente).
O conhecimento sobre os mecanismos cerebrais subjacentes à procrastinação pode melhorar o uso e o desenvolvimento destes aplicativos criando a possibilidade de desfrutarmos de uma inteligência aumentada na qual o aplicativo que escolho para usar tem justamente os recursos que meu perfil de personalidade e comportamental precisa para evoluir.
Assim, aliando o que temos de mais avançado sobre o conhecimento das máquinas ao que temos de mais avançado sobre o conhecimento sobre o ser humano temos novas oportunidades. Como cada um de nós irá cuidar dos eventos internos de evolução pessoal frente às mudanças tecnológicas em curso é o que permitirá que até mesmo o ser humano se desenvolva em escala exponencial. E as predições sobre quem seremos daqui 5 ou 10 anos estarão muito mais sobre nosso controle do que à mercê dos eventos externos que se mostram cada mais imprevisíveis.
Por Carla Tieppo, expert da Singularity U Brazil
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