Brasil atinge recorde de afastamentos por transtornos de ansiedade em 2024; especialistas reforçam papel estratégico do RH na promoção de ambientes psicologicamente seguros.
A ansiedade não é mais um problema individual restrito ao consultório de psicologia. Ela atravessou as fronteiras da saúde e se consolidou como uma das maiores ameaças à sustentabilidade das organizações. De acordo com o Ministério da Previdência Social, o Brasil registrou, em 2024, mais de 141 mil afastamentos por ansiedade — o maior número da última década. No cenário global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a depressão e a ansiedade provocam a perda de 12 bilhões de dias úteis por ano, resultando em um prejuízo de US$ 1 trilhão à economia mundial.
Para o setor de Recursos Humanos, os números acendem um alerta: qual o verdadeiro custo da ansiedade para pessoas e empresas?
Quando o colaborador sofre, o negócio sente
Segundo Bianca Aichinger, coach e sócia-proprietária da Quantum Development, a ansiedade afeta diretamente o desempenho profissional. “Ela compromete a concentração, dificulta a tomada de decisões e estimula a procrastinação. Tudo isso, somado ao medo constante de falhar, gera uma queda perceptível na produtividade e no engajamento”, analisa.
Mas os impactos não param por aí. O custo para as organizações se manifesta em três frentes: aumento de afastamentos médicos, elevação nas despesas com planos de saúde e, sobretudo, deterioração do clima organizacional. “A ansiedade impacta não apenas o colaborador, mas todo o ecossistema da empresa. Quando há insegurança emocional, há também perda de inovação, de colaboração e de confiança”, complementa Bianca.
Segurança psicológica: a raiz do problema — e da solução
O que poderia ser um ponto de atenção isolado transformou-se em um fator estrutural. A especialista destaca que a ausência de segurança psicológica é um dos principais gatilhos para os altos níveis de ansiedade. “O RH precisa assumir um papel ativo na construção de ambientes seguros. Isso passa pela capacitação das lideranças, promoção do diálogo aberto e acolhedor, e políticas de gestão transparentes e humanizadas.”
Nesse sentido, a responsabilidade não é apenas dos gestores diretos. A alta liderança e a área de Recursos Humanos devem atuar em sinergia para promover treinamentos, abrir canais de escuta e incentivar práticas de bem-estar contínuas. “A segurança psicológica não pode ser uma ação pontual, precisa estar enraizada na cultura da empresa”, afirma.
Lideranças ansiosas em tempos de incerteza
Outro fator agravante é o paradoxo vivido pelos próprios líderes. Eles também estão adoecendo. “Muitos gestores estão sobrecarregados, pressionados por resultados e desorientados diante das transformações do mercado. Sabem que o planejamento a longo prazo perdeu espaço, mas ainda não compreendem como navegar em ambientes de mudança constante”, observa Bianca.
Esse desequilíbrio afeta diretamente a forma como conduzem suas equipes, criando um efeito cascata que repercute no bem-estar de todos. Por isso, cuidar da saúde mental da liderança deve ser uma prioridade estratégica.
Do discurso à prática: o RH como agente de transformação
Para que a promoção de saúde mental saia do papel e gere resultados concretos, Bianca propõe ações em três níveis:
Individual: programas de apoio psicológico, incentivo à pausa e equilíbrio entre vida pessoal e profissional;
Coletivo: estímulo à comunicação empática, escuta ativa e reconhecimento;
Organizacional: políticas consistentes de metas, gestão clara de expectativas e ambientes que valorizam o erro como parte do aprendizado.
“Não se trata apenas de reduzir afastamentos. Empresas que investem genuinamente no bem-estar constroem ambientes mais saudáveis, inovadores e com menor rotatividade de talentos”, conclui.
Para o RH, o futuro exige empatia, estratégia e ação
Em um mercado em que o capital humano se tornou o ativo mais valioso, ignorar os impactos da ansiedade é colocar em risco o motor das organizações: as pessoas. Por isso, mais do que oferecer benefícios pontuais, as empresas devem promover uma cultura de cuidado contínuo — com líderes preparados, colaboradores respeitados e um RH estratégico, capaz de transformar dados e diagnósticos em ações concretas.