Com novas regulações e uma mudança cultural em curso, empresas reposicionam o bem-estar mental e relacional como eixo estratégico para engajamento, produtividade e sustentabilidade organizacional.
Arthur Geise, Diretor Médico da Pipo Saúde
Nos últimos anos, o ambiente corporativo passou por transformações importantes, impulsionado por um imperativo que vai além de metas e resultados: o cuidado com as pessoas. Agora, em 2025, a saúde psicossocial finalmente encontra seu espaço legítimo nas políticas de Recursos Humanos, alavancada por mudanças regulatórias e tendências globais.
A saúde de um indivíduo é influenciada por múltiplos fatores. Estima-se que 24% da nossa saúde seja determinada por aspectos socioeconômicos — como condições de trabalho (ambiente saudável, reconhecimento, equilíbrio entre vida profissional e pessoal, ausência de assédio ou sobrecarga), renda, escolaridade e qualidade das relações. Outros 36% são influenciados por hábitos individuais. Ou seja, grande parte do que nos adoece ou nos cura não está exclusivamente sob responsabilidade dos profissionais de saúde, mas sim dos ambientes em que vivemos — e, especialmente, trabalhamos.
Nesse contexto, o ambiente corporativo assume um papel central. É no trabalho que passamos a maior parte do nosso tempo, onde formamos comunidades, compartilhamos valores e construímos redes de apoio. Empresas que promovem um ambiente psicossocialmente saudável colhem benefícios tangíveis: mais diversidade, maior engajamento, melhores índices de saúde e menor rotatividade.
A recém-atualizada NR-1, norma que entrará em vigor em 25 de maio deste ano, promete ser um marco nesse movimento. Ao equiparar os riscos psicossociais aos riscos tradicionais (como os químicos, físicos e biológicos), a norma convida as empresas a irem além da reparação: agora, espera-se que desenvolvam programas sistematizados de gestão desses riscos, com planos de ação concretos, interesse genuíno e uma abordagem que transcenda a simples identificação de casos.
Mais do que um protocolo de segurança, a NR-1 representa um chamado para que as organizações assumam um compromisso ético com a saúde mental e relacional de seus colaboradores. Afinal, não podemos permitir que o debate sobre saúde só ganhe força quando o adoecimento já se instalou.
Essa mudança de paradigma tem impulsionado, nas empresas mais atentas ao futuro, o surgimento de novas lideranças voltadas ao cuidado. Um símbolo claro desse novo tempo é o avanço dos Chief Care Officers (CCOs) — cargos de liderança criados por grandes corporações para colocar o bem-estar, a equidade e a qualidade de vida no centro da estratégia organizacional. Aliás, esse foi um dos temas abordados no SXSW deste ano.
A figura da CCO emerge como resposta direta a esse novo cenário. Com atuação transversal e escuta ativa, essa liderança é responsável por integrar as dimensões de saúde mental, saúde social e diversidade nas práticas corporativas. Não por acaso, muitas dessas posições estão sendo ocupadas por mulheres, reforçando um olhar mais humanizado e empático na gestão.
Outra que abordou o tema no SXSW foi a especialista em saúde social com passagem por Harvard, Kasley Killam, que abriu seu painel afirmando: “Uma conexão significativa é essencial para a longevidade, o bem-estar e o sucesso.” Suas palavras refletem a direção que o mundo corporativo começa a tomar: o cuidado não é mais periférico — é central, estratégico e inegociável.
Precisamos resgatar a essência das relações humanas no trabalho: o espaço seguro, o olhar atento, a escuta genuína. Neste novo capítulo da gestão de pessoas, o cuidado deixou de ser uma pauta emergencial e se tornou um ativo estratégico. O futuro é feito de vínculos fortes, ambientes saudáveis e lideranças que entendem que a verdadeira produtividade nasce do bem-estar.
A saúde psicossocial, que há alguns anos era apenas uma conversa tímida, agora está no centro do palco. E as empresas que souberem ouvi-la estarão mais preparadas para o que vem a seguir.