Crise de saúde mental nas empresas exige mudanças estruturais: presenteísmo, adoecimento silencioso e falta de apoio à saúde emocional impactam diretamente a produtividade e os índices de afastamento no Brasil.
O Brasil enfrenta uma crise silenciosa de saúde mental. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, o país registrou um recorde de afastamentos por ansiedade e depressão na última década, com aumento de 68% nas licenças médicas apenas em 2024. No entanto, além dos afastamentos oficiais, há outro problema que impacta diretamente a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores: o presenteísmo.
De acordo com o médico-psicanalista e consultor empresarial Dr. André Fusco, muitos profissionais continuam comparecendo ao trabalho mesmo quando estão doentes e mentalmente esgotados, por medo de julgamento ou demissão.
“No presenteísmo, a pessoa está fisicamente presente, mas não emocionalmente. Com prejuízos em suas funções cognitivas — como concentração e memória — ela tenta seguir com as atividades, mas enfrenta dificuldades até mesmo em tarefas antes consideradas simples”, explica Dr. Fusco.
O especialista destaca que muitos trabalhadores evitam expor sua condição mental por receio de estigmas, o que perpetua um ciclo de esgotamento.
“O primeiro sintoma que surge no ambiente de trabalho é a queda de produtividade, ou o que chamamos de baixa performance. A princípio, o profissional tenta manter o rendimento, mas, com o tempo, desenvolve sintomas físicos e emocionais. Sem apoio ou intervenção, esse quadro pode evoluir para uma Síndrome de Burnout, com risco de colapso físico e psíquico.”
Presenteísmo: causas e impactos
Fatores como doenças, questões pessoais e variações na carga de trabalho contribuem para o presenteísmo, segundo a pesquisa Uma teoria do presenteísmo para além da doença e uma ferramenta para sua mensuração, de Salim Yılmaz e Selma Söyük. O estudo aponta que esse fenômeno gera um impacto duplo: a empresa perde produtividade, enquanto o trabalhador sofre em um ambiente que não favorece sua recuperação.
Como identificar um colaborador em presenteísmo?
Queda no desempenho – demora na conclusão de tarefas, atrasos, esquecimentos e aumento de erros;
Desmotivação e apatia – falta de interesse em reuniões, interações e atividades da empresa;
Cansaço constante – fadiga visível, bocejos frequentes e dificuldades de concentração;
Problemas de saúde recorrentes – dores de cabeça, tensão muscular, bruxismo e questões gastrointestinais;
Isolamento social – evita interações antes habituais;
Horas extras frequentes – permanece mais tempo no trabalho para cumprir demandas rotineiras.
Segundo Dr. Fusco, a dificuldade em identificar o adoecimento leva a avaliações injustas.
“O trabalhador adoece em silêncio. Quando sua performance cai, é mal avaliado. Ao receber um feedback negativo ou diante do risco de demissão, ele solicita afastamento — e muitas vezes é visto como alguém tentando evitar o trabalho. Isso gera uma espécie de criminalização do adoecimento no ambiente corporativo”, alerta.
O especialista reforça:
“Temos que considerar a doença como uma possível causa da queda de produtividade. Ninguém quer ser improdutivo. Antes de julgar ou punir, é necessário acolher. Esse mal-entendido entre empresa e colaborador é, muitas vezes, o que gera conflitos e litígios trabalhistas.”
O papel das empresas: prevenção e adaptação
Para mitigar os efeitos da crise de saúde mental no ambiente corporativo, Fusco defende uma mudança de paradigma. A partir de maio de 2025, a atualização da Norma Regulamentadora NR-1 tornará obrigatória a avaliação de riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), o que deve marcar uma nova fase de compromisso com a saúde mental nas empresas.
“O problema não está no trabalhador que adoece, mas em um modelo de trabalho que adoece as pessoas. É preciso repensar processos de avaliação, metas e políticas de RH para garantir jornadas mais sustentáveis e ambientes psicologicamente seguros”, defende.
Fusco também chama atenção para os estímulos competitivos e modelos ultrapassados de avaliação, como a curva forçada e metas individuais, que agravam o cenário.
“Não adianta promover palestras sobre colaboração e, ao mesmo tempo, adotar práticas que incentivam a competição entre os colaboradores. Colaboração é o oposto de competição.”
Para colaboradores que retornam ao trabalho após afastamentos por transtornos mentais, o médico recomenda ajustes no volume de tarefas e a suspensão temporária de metas individuais, para garantir uma readaptação segura e humanizada.
“O ideal é que o líder esteja disponível para apoiar o colaborador nesse processo. O trabalho deve contribuir com a equipe, mas sem pressioná-lo.”
Mudanças estruturais para a saúde mental no trabalho
Dr. Fusco defende que a Ergonomia Mental seja um dos pilares das estratégias corporativas. Diferente da ergonomia física, o conceito considera fatores emocionais, relações interpessoais e a organização do trabalho como parte essencial da saúde e do desempenho humano.
“A Ergonomia Mental propõe a revisão de regras, práticas e estruturas organizacionais, com o objetivo de reduzir o sofrimento psíquico, melhorar a produtividade e dar mais sentido à vida profissional. Assim como a NR-17 revolucionou a ergonomia física, precisamos transformar a realidade do trabalho com políticas que cuidem da saúde mental.”
Três recomendações essenciais para líderes e RHs:
- Aplicar a Ergonomia Mental para revisar políticas de trabalho, metas, avaliações e modelos organizacionais;
- Construir uma cultura organizacional segura, com abertura para o diálogo e escuta ativa das necessidades dos colaboradores;
- Priorizar a implementação da NR-1, incorporando a análise de riscos psicossociais à gestão de pessoas.
“A tendência é enxergar as licenças médicas como um problema exclusivo do colaborador. Mas, na verdade, esses afastamentos são um sinal de alerta sobre o ambiente organizacional. Quanto mais cedo esse problema for enfrentado, melhor será para construir um ambiente de trabalho mais produtivo, saudável e humano”, finaliza Dr. Fusco.