A sociedade das etiquetas: como os rótulos moldam identidades e alimentam a exclusão.
Marcelo Franco – psicólogo cognitivo-comportamental e neuropsicólogo
Você já parou para pensar no quanto somos rotulados ao longo da vida? Desde que nascemos, recebemos categorias – etiquetas, por assim dizer – que nos definem antes mesmo de sabermos quem realmente somos. Rosa ou azul, menino ou menina, comportado ou rebelde. Essas classificações, inicialmente úteis para organizar nossa percepção, frequentemente tornam-se limitações que questionam nossa participação plena na sociedade.
Os rótulos podem, de fato, dar visibilidade a certas características e garantir que histórias importantes sejam contadas. Afinal, eles tornam o que é diferente impossível de ignorar. Contudo, aqui reside um paradoxo: os mesmos rótulos que nos destacam podem também nos transformar em “o outro” – aquele que está à margem, fora do que é considerado normal. Quando as pessoas começam a usar esses rótulos como bandeiras, afirmando: “Sim, eu sou assim, e isso faz parte de quem sou!”, o sistema que criou essas etiquetas frequentemente reage com desconforto.
A resposta costuma ser previsível: “Por que isso precisa ser discutido? Somos todos iguais!”. Esse discurso, geralmente proferido por quem nunca enfrentou exclusão, ignora as desigualdades concretas que os rótulos evidenciam. Embora a igualdade seja um ideal louvável, ela não pode desconsiderar as disparidades estruturais que moldam a experiência de muitos.
A verdade é que ninguém se resume a uma única característica. Somos seres complexos, combinações únicas que desafiam qualquer tentativa de padronização. E, quanto mais nos afastamos do que é considerado “padrão”, mais etiquetas acumulamos. Essas etiquetas não são escolhas pessoais; são impostas por uma sociedade que prefere simplificar aquilo que não compreende.
Então, o que fazer com esses rótulos? Ignorá-los pode significar aceitar a invisibilidade. Por outro lado, assumi-los como parte de nossa identidade é um ato de resistência. Quando pessoas historicamente marginalizadas se unem para reivindicar reconhecimento e celebrar quem são, isso frequentemente provoca desconforto naqueles que nunca precisaram justificar sua existência. “Orgulho? Orgulho de quê?”, questionam os que sempre ocuparam o centro sem esforço.
O problema, entretanto, não está nos rótulos em si, mas no que eles representam. O que chamamos de normalidade é, em essência, um modelo que privilegia aqueles que se encaixam sem dificuldade. E se começássemos a evidenciar também as categorias que consideramos normais? Se disséssemos, por exemplo, que um “autista” se destacou em sua formação enquanto uma “pessoa neurotípica” também brilhou, mas sem carregar etiquetas adicionais?
Talvez, ao explicitar essas categorias que passam despercebidas, possamos entender que a normalidade é apenas mais uma forma de ser entre tantas outras. E que os rótulos não deveriam carregar estigmas ou limitar a participação de alguém na sociedade. No final das contas, eles deveriam ser apenas isso: descrições.
Quando aprendermos a valorizar as diferenças como uma fonte de riqueza, e não como uma ameaça, talvez possamos transcender a necessidade de exclusão e segmentação. Afinal, o mundo é amplo e diverso demais para ser reduzido a categorias fixas.