Planejar o pós-carreira é essencial para preservar a saúde mental e garantir transições profissionais mais humanas, produtivas e sustentáveis nas empresas que valorizam a longevidade de seus líderes.
Colunista Mundo RH, Maristela Gorayb, consultora em gestão de carreira, palestrante e uma das sócias-fundadoras da Ancor Consultoria e autora e autora do Best-seller “A PRIMEIRA SEGUNDA-FEIRA após sua Carreira Executiva”
Vivemos uma era em que a discussão sobre saúde mental nas organizações finalmente ganhou espaço nas pautas estratégicas. Mas, para além de cuidar do bem-estar no presente, é preciso olhar para o futuro dos colaboradores — especialmente daqueles que carregam anos de contribuição e hoje ocupam cadeiras de alta liderança. A longevidade profissional não diz respeito apenas a manter-se produtivo após a carreira executiva, mas também a encontrar segurança emocional em meio às incertezas que o futuro apresenta.
Quando eu estava na reta final da minha carreira executiva, já perto dos 50 anos, vivi uma experiência que ficou marcada na minha memória e no meu coração. Era nítido que o contexto organizacional onde eu trabalhava estava mudando. As peças do tabuleiro eram movimentadas rapidamente. O objetivo do jogo também já não parecia mais o mesmo. Só que, naquele jogo, nem eu nem a maioria dos meus colegas éramos quem mexia nas peças. Nós éramos as peças. E, claro, não havia como saber quando a mão do jogador viria na nossa direção.
Apesar disso, eu tinha muita clareza dos meus próximos passos — algo que eu vinha construindo. Tudo estava planejado na medida do possível, com vários temas que eu vinha estruturando há algum tempo. Afinal, tive o privilégio de aprender, ao longo da minha vida profissional, com a dor de muitos que passaram por esse momento sem preparo.
Todo o meu background executivo foi construído no segmento de previdência complementar. Isso trouxe para minha vida pessoal a consciência sobre a importância do planejamento financeiro de longo prazo. E também me escancarou uma verdade dura: a maioria dos executivos que eu via se aposentando saía das empresas muito bem amparada do ponto de vista financeiro, mas completamente despreparada emocionalmente para o que viria depois. Eles tinham reservas, patrimônio, planos de previdência. Mas não queriam se aposentar efetivamente e paralisavam diante da falta de clareza sobre o que fazer com seu tempo, sua energia, sua experiência e sua identidade — que, por décadas, esteve atrelada ao crachá.
Ter me preparado fez toda a diferença. Passei ilesa às intempéries daquele contexto de mudança. Sem machucados. Sem grandes dores. Sabia exatamente o que faria na minha primeira segunda-feira depois de entregar o crachá. O desafio, dali em diante, seria apenas negociar bem o fechamento daquele ciclo. Enquanto muitos colegas se revoltavam com a falta de informação e a ausência de transparência, eu os acolhia e tentava trazer algum conforto. Porque, sim, esse é o mundo corporativo. Nem sempre as conversas são tão francas quanto gostaríamos. E, muitas vezes, a dor maior vem exatamente para aqueles que, ocupando posições de liderança, acreditam — com razão — que deveriam fazer parte das decisões estratégicas. Mas nem sempre fazem.
O peso emocional da incerteza na liderança 50+
À medida que a inteligência artificial, o trabalho híbrido e os modelos flexíveis tomam conta do mercado, um fator sutil — e muitas vezes negligenciado — começa a gerar impactos profundos: o medo da obsolescência. Para muitos executivos 50+, essa transição gera um peso emocional intenso, amplificado pela ansiedade quanto à própria empregabilidade.
Sim, o etarismo causa medo. Recentemente, uma executiva de 45 anos me perguntou se ela já poderia ser considerada “velha” para buscar uma nova oportunidade no mercado. A busca legítima por diversidade e inclusão muitas vezes foca gênero e raça, mas negligencia a diversidade etária — exatamente no momento em que a expectativa de vida profissional se estende para além dos 60 ou 70 anos.
Se não olharmos com seriedade para a saúde mental desses profissionais, corremos o risco de deixá-los à deriva. E aqui surge uma reflexão importante sobre o impacto positivo que a preparação para o pós-carreira tem no bem-estar emocional e, consequentemente, na performance desses líderes. Eu sou prova viva disso.
Por que saúde mental e pós-carreira estão conectados?
A falta de preparo para o encerramento de ciclos profissionais gera uma série de efeitos colaterais: ansiedade, estresse, perda de produtividade, insegurança e até depressão. Afinal, quando uma carreira de décadas começa a sinalizar seu encerramento, não é apenas um emprego que se perde — é uma parte significativa da identidade desse indivíduo.
Por outro lado, quando o profissional é apoiado a desenhar sua visão de futuro, planejar seu próximo ciclo e compreender que sua vida profissional não termina com o crachá — mas se reinventa — os níveis de segurança emocional e bem-estar aumentam. Esse senso de continuidade reduz significativamente o sofrimento psíquico, fortalece a autoestima e gera impacto direto na produtividade atual.
Preparação para o pós-carreira: uma nova responsabilidade corporativa?
O processo de preparação para o pós-carreira dentro das organizações passa, antes de tudo, por conscientizar todos os colaboradores sobre a importância do planejamento financeiro pessoal — uma competência necessária para executivos se reinventarem profissionalmente sem o impacto da pressão financeira, especialmente em um mundo onde os modelos de trabalho estão se transformando rapidamente. Algumas empresas, especialmente as de grande porte, tentam fazer isso por meio dos planos de previdência corporativos.
Mas, além disso, há um novo olhar que precisa ser lançado sobre os profissionais 40+. Para esse público, o planejamento vai muito além das finanças. É papel das organizações estimular, de forma estruturada e aberta, reflexões que considerem também aspectos emocionais, relacionais e de visão de futuro — fundamentais para uma transição de carreira bem-sucedida quando esse ciclo executivo chegar ao fim. Porque vai chegar um dia.
Na prática, isso significa criar programas e iniciativas que ajudem esses profissionais a:
Desenvolver uma visão clara de futuro, favorecendo que eles projetem novos caminhos profissionais e pessoais além do universo corporativo;
Fortalecer o autoconhecimento, criando espaço para reflexões sobre seus talentos, valores, interesses e motivações, o que contribui diretamente para o bem-estar e a qualidade das decisões de carreira;
Ampliar e nutrir redes de relacionamento, não apenas dentro da empresa, mas também fora dela, de forma autêntica e estratégica;
Fomentar uma cultura de aprendizagem contínua, que permita que esses profissionais se mantenham atualizados, curiosos e preparados para os desafios de um mercado que se reinventa constantemente.
Quando as empresas promovem esse tipo de desenvolvimento, estão, na prática, cuidando da saúde mental, da longevidade produtiva e da sustentabilidade emocional de seus talentos seniores. E, consequentemente, fortalecem sua própria capacidade de atravessar os desafios da transformação organizacional de forma mais humana e sustentável.
O papel estratégico das organizações: o que poderia mudar
Empresas que decidirem tratar a preparação para o pós-carreira como parte da estratégia de desenvolvimento de lideranças tenderão a colher benefícios reais. Não se trata de uma promessa vaga, mas de algo que se conecta diretamente com temas críticos para o negócio, como:
Processos de sucessão mais bem conduzidos, com líderes mais preparados emocionalmente para encerrar ciclos e, assim, favorecer uma transição mais saudável e estruturada;
Estímulo à inovação e à reinvenção profissional, pois líderes maduros, quando não estão aprisionados ao medo do futuro, se sentem mais livres para se expor, assumir riscos e propor mudanças, sem receio de que qualquer erro comprometa sua trajetória no curto prazo;
Fortalecimento da reputação como empregadora que cuida, de verdade, das pessoas em todas as fases da vida profissional, aproximando, assim, o discurso de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) da prática;
Ambientes psicologicamente mais seguros, onde conversar sobre futuro, transição e longevidade profissional não é tabu, mas parte da cultura.
Preparar-se para o pós-carreira é cuidar do presente
O futuro do trabalho é, cada vez mais, um futuro de ciclos. O que antes era linear — formação, trabalho e aposentadoria — hoje é uma jornada fluida, cheia de reinvenções.
Por isso, falar sobre saúde mental nas empresas não pode mais estar desconectado da preparação para o pós-carreira. Empresas que entenderem isso não estarão apenas cuidando de seus executivos, mas também cultivando ambientes com mais segurança psicológica, mais inovação e mais coerência entre o que dizem e o que fazem quando se trata de pessoas.
Se quisermos líderes preparados para o presente, precisamos ajudá-los a se sentirem seguros quanto ao futuro. E isso começa, sem dúvida, quando o pós-carreira deixa de ser um tabu e passa a ser uma conversa natural e estratégica dentro das organizações.