Assim como o Excel, quando ultrapassamos os limites, algo trava.
Letícia de Oliveira Alves – psicóloga desde 2014, atua nas áreas clínica e social, é palestrante e Idealizadora e Gestora do Projeto Café com os Psicólogos que atuam no SUAS (Sistema Único de Assistência Social).
Foi como descobrir um segredo guardado a sete chaves: o Excel tem limites. Sempre acreditei que aquelas linhas e colunas eram infinitas, uma vastidão de possibilidades onde caberia tudo, absolutamente tudo. Mas não. São um pouco mais de um milhão de linhas, pouco mais de 16 mil colunas e chega. Parece muito, mas tem limite.
E tem mais: limite de hiperlinks, fórmulas e até o tamanho do arquivo. Não adianta insistir, forçar ou tentar enganar o sistema. Quando se atinge o limite, ele para. Se precisar ultrapassá-lo, você precisa salvar em outro formato ou buscar outro programa.
Foi aí que me veio a pergunta que martela minha cabeça desde então: se até o Excel tem limites, por que insistimos em achar que as pessoas não têm?
No mundo corporativo, seguimos tratando as pessoas como se fossem infinitas, como se sempre fosse possível extrair um pouco mais. Mais esforço, mais horas, mais entrega. É como se estivéssemos programados para acreditar que basta insistir que o corpo e a mente dão um jeitinho.
Assim como o Excel, quando ultrapassamos os limites, algo trava. Só que, ao contrário do arquivo que simplesmente não abre, o “travamento humano” é silencioso, insidioso. Ele aparece em forma de esquecimento, dificuldade em manter o foco, exaustão, crises de ansiedade, depressão ou burnout.
O trabalho não precisa ser remédio para a saúde mental, mas também não pode ser um veneno. O que acontece, porém, é que muitas empresas continuam tratando saúde mental como uma questão periférica, algo que não é problema seu. Só que é.
Os dados estão aí para quem quiser ver. Segundo a OMS, a depressão será a principal causa de incapacitação laboral até 2030. Se já não bastasse isso, a pandemia expôs e intensificou um cenário que já era preocupante: aumentaram os transtornos emocionais e psicológicos, e com eles veio o desafio de manter o bem-estar em um ambiente cada vez mais instável. Não dá mais para as empresas fingirem que isso não tem nada a ver com elas. A linha que separa vida pessoal e profissional sempre foi tênue — e hoje quase não existe.
É fato que muitas empresas se esforçam para abraçar grandes causas sociais: combatem o racismo, promovem a diversidade, lutam contra a desigualdade de gênero. Mas negligenciar a saúde mental dos colaboradores enfraquece qualquer discurso de responsabilidade social. Se a empresa não está disposta a incluir o bem-estar emocional em seus pilares, corre o risco de ser percebida como não confiável e essa é uma mancha difícil de apagar.
Saúde mental precisa ser prioridade. Não como algo acessório, mas como parte essencial da estratégia de negócios. Isso não significa que as organizações precisam resolver os problemas emocionais dos colaboradores, mas elas têm a responsabilidade de não agravá-los. Criar um ambiente de trabalho saudável é mais do que uma questão de cuidado: é uma questão de sobrevivência humana e corporativa.
Não dá para separar o colaborador do ser humano que ele é. Ele pode até deixar os problemas pessoais na porta da empresa, mas os sentimentos que esses geram atravessam a catraca com ele. O impacto disso no desempenho é gigantesco. É como se o “departamento cognitivo” — formado pela atenção, memória e inteligência — estivesse exposto a terremotos constantes. Quando o colaborador não está bem, esse departamento começa a ruir. A memória falha, o foco desaparece, as ideias somem. É uma queda livre.
Por outro lado, quando o ambiente é saudável, o oposto acontece. O bem-estar cria um cenário onde a criatividade ferve, as ideias brotam, a produtividade dispara. É como se houvesse um mercado interno aquecido, cheio de oportunidades, expansão e energia. É isso que as empresas precisam enxergar: investir em saúde mental não é caridade, é inteligência estratégica.
Para lidar com esse cenário, flexibilidade e adaptabilidade são imprescindíveis. Com o avanço do trabalho remoto e híbrido, o líder de 2025 precisa ajustar sua abordagem para atender às diversas necessidades de sua equipe. É essencial oferecer suporte tanto para quem prefere autonomia quanto para quem se sente mais confortável em estruturas bem definidas.
Mais do que nunca, a empatia será o pilar central da liderança. Um líder que ouve ativamente é capaz de criar um ambiente onde os colaboradores se sentem seguros para expressar preocupações e dificuldades. Mas escutar é uma habilidade difícil, como já dizia Rubem Alves: “Escutar é complicado e sutil… a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer…” Essa escuta genuína é o único caminho eficiente para desvendar o “manual de funcionamento” de cada pessoa.
Mas, liderar também não é carregar o mundo nas costas. Buscar ajuda é essencial. No consultório, é comum atender gestores que carregam o peso de um time inteiro, enfrentando dilemas e decisões difíceis sozinhos. O líder que busca suporte profissional para melhorar sua gestão não é fraco, é estratégico. Existem profissionais especialistas em comportamento humano, capacitados para auxiliar na organização de conversas difíceis, no planejamento de decisões desafiadoras, elaboração de um feedback assertivo e justo e no desenvolvimento da melhor versão do líder.
O líder de 2025 precisa ser mais humano, pois estratégias eficazes de liderança passam por cuidar tanto dos liderados quanto de si mesmo. É um equilíbrio complexo: alcançar resultados sem permitir que a pressão pelas entregas transforme o ambiente em algo tóxico. Em um mundo em constante transformação, sobreviverá o líder que for adaptável e não apenas forte.
Porque, no fim, nem o Excel é infinito e quando os limites são atingidos, é preciso mudar o formato ou buscar outros programas. Assim também será com a liderança do futuro: ela precisará se reinventar para continuar relevante.