Por Herman Bessler, fundador e CEO do Templo.cc
No universo do comando e controle, partimos da crença de que o ser humano não gosta de trabalhar, busca minimizar suas responsabilidades e possui pouca ambição. Por consequência lógica, eles deveriam ser comandados e controlados para garantir que as organizações alcancem seus objetivos.
A esse paradigma hegemônico na gestão internacional até o início deste século, MCGregor denominou “Teoria X” em “The Human Side of Enterprise (1960)”. Ele funciona como um sistema operacional para a organização, em que os gestores dizem para os colaboradores o que fazer e como fazê-lo. Dessa forma, existe um local definido para trabalhar e um horário a ser cumprido de forma rigorosa.
Conforme caminhamos para um mundo de alta incerteza e volatilidade, este sistema operacional ou modus operandi revelou alguns problemas graves:
- Com a crescente necessidade de ajustes de rota e tomada de decisões rápidas, o custo de comandar cada ação aumenta exponencialmente, de forma que passamos a precisar de muitos gerentes para micro-gerenciar a força de trabalho
- Conforme as estruturas cresceram em tamanho, o custo de consenso explode com numerosas horas de reunião e a necessidade de implementação de processos burocráticos para garantir que os comandos sejam seguidos por todos
- À medida que passamos a depender significativamente de mais inovação em produtos, serviços e modelos de negócio para manter uma organização competitiva, passamos a depender de talentos e pessoas com soft skills que são escassos no planeta atualmente (como colaboração, inteligência emocional, facilitação, curadoria, flexibilidade cognitiva). Essas pessoas não estão dispostas a ser micro-gerenciadas. Simples assim.
- O problema talvez mais importante e significativo: comando e controle é um sistema operacional desenhado para produzir soluções previsíveis, resultados padronizados. Só que os movimentos de mercado e comportamentos do consumidor estão mudando de forma imprevisível e em velocidade sem precedentes, muito por causa da transferência de expectativas do consumidor trans-setorial. Se eu peço um transporte com um botão, porque eu não esperaria receber minha comida, roupas ou serviços da mesma forma? Se as plataformas de streaming me entregam todas as opções em um cardápio digital instantâneo, por que não esperar o mesmo tipo de experiência para minhas ferramentas de trabalho? E por aí vai.
Ou seja, o sistema operacional de comando e trabalho foi útil durante muito tempo e agora está fadado ao fracasso. É hora de reunir as melhores práticas organizacionais para construir novos sistemas operacionais com novas premissas.
Se partirmos do princípio de que as pessoas são intrinsecamente motivadas e guiadas por maestria, autonomia e propósito (e temos montanhas de evidências da ciência comportamental para isso), chegamos a conclusões distintas. Ao invés de comandar ao colaborador o que fazer e como fazê-lo, dizemos para onde estamos indo, acordamos com ele a velocidade com que chegaremos lá, evidenciamos porque queremos ir para lá e deixamos com que ele descubra o caminho, corrigindo a rota sempre que necessário, testando hipóteses e compartilhando aprendizados. Cada um é o maior especialista na execução da sua função.
Com essa mudança de chave lógica, conseguimos diminuir custos de consenso, minimizar burocracias, aumentar a capacidade de inovar, atrair e reter os melhores talentos, destravar a inteligência coletiva e testar um número incomparavelmente maior de soluções. Saímos de uma estrutura piramidal para nos parecer mais a uma rede distribuída, adaptável, resiliente. Entregar dentro do prazo com excelência deixa de ser um objetivo para agradar seu gerente e passa a ser uma expectativa social entre seus pares. É este o primeiro passo para construir o novo sistema operacional para organizações adaptáveis.
É claro que a execução de uma gestão mais humana, mais distribuída, com atitude propositalmente focada na emergência da inteligência coletiva é um dos grandes desafios do nosso tempo. Nossos executivos, conselhos e investidores não foram educados para esse tipo de sistema operacional e a transição será uma jornada no mínimo turbulenta. Contudo é a melhor opção que temos para reinventar organizações longevas, que geram valor para todos os stakeholders, se reinventando continuamente.
A vantagem competitiva para os que logram implementar com sucesso estes modelos culturais é evidente: o engajamento da equipe aumenta, e colaboradores passam a sentir-se mais valorizados e empenhados em suas tarefas. Com esse ganho de autonomia, há maior autoconfiança, de modo que o trabalho fluirá de maneira mais natural e concisa. Outrossim, o novo sistema operacional, além de trazer resultados financeiros positivos para as companhias e deixar o processo de trabalho mais dinâmico, valoriza seu maior ativo: as pessoas. Empresas são feitas de pessoas e para pessoas e ao perder de vista este fato condenamos também a performance, mesmo apelando para pagamento de bônus e participação nos lucros. O que muda uma organização é um movimento, e não um mandato.