A importância das competências reais no mercado de trabalho: simplificando em um mundo líquido
Fábio Salomon, Managing Partner da Brava Executive Search – Sócia da Horton International e Fundador da Aliá Mentoring de Carreira; apresentador do Podcast “Café com Sal”
Quem grita mais, pode mais, ficou para trás. Hoje quem “hashtaga” mais parece querer mais, mas será que pode? A enxurrada de #s e siglas tentam cobrir o rosto de profissionais verdadeiramente fragilizados e aflitos.
As evidências de que a forma está vencendo o conteúdo são claras. Rótulos e mais rótulos são “febre” em redes sociais profissionais, sobrepondo-se ao real produto. Ora, isso não é novo na sociedade moderna, mas até Bauman ficaria com seus poucos cabelos em pé.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em seu livro Modernidade Líquida, define a sociedade moderna em “leve, líquida e fluida”, trazendo profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana. A lógica do consumo ocupou o espaço da moral, assim, passamos a ser analisados não pelo que somos, mas pelo que compramos. A ideia de compra também impactou as relações sociais, em que passamos a comprar afeto, atenção e, por que não, viabilidade profissional.
Numa sociedade líquida como a nossa, quem de fato ocupa o lugar de narrador supremo passa a ser o Marketing, que acaba por definir o que devemos ser, comprar, representar.
Há pouco tempo atrás, isso se limitava ao convívio social, aos clubes, as festas, ou talvez ao tamanho de suas posses. As redes sociais não só aceleraram esse processo, como transportaram essa busca incessante por legitimação agora também no mercado de trabalho.
E a questão diz respeito a exatamente isso. Estamos sendo condicionados a sermos tudo e termos tudo, ao mesmo tempo. E como Dona Olga, minha mãe, dizia, “não dá pra ter tudo, não ao mesmo tempo, meu filho”. O tal FOMO (Fear of Missing Out) ou “medo de estar por fora” é tão grande, que competências básicas ou estão estagnadas ou jamais foram desenvolvidas. É mesmo muita espuma pra pouco sabão.
Ninguém aqui é bobo. A atualização profissional constante é absolutamente necessária. Temos sim que nos reinventarmos com uma certa constância, nesse tal mundo que tudo muda. Mas atenção: atualização diz respeito a corrigir, melhorar, elevar algo ou atividade que já existe, já é viável, funciona.
E sim, as hashtags são importantes. Elevam causas e pautas com maior aceleração, definem facilmente um nicho ou lugar de discussão. São uma solução moderna e criativa de busca de conteúdo e suposta propriedade sobre ele.
Mas quando o tema é mercado de trabalho, há que se ter cuidado. Em minhas entrevistas como recrutador e mentorias de carreira, são incontáveis os casos de flagrantes angústia e ansiedade, na busca da validação profissional em inúmeras frentes, ao mesmo tempo. São as hashtags como sintoma.
O hiper estímulo é enorme e os executivos e executivas passam a cobiçar tudo em velocidade desmedida. Curso de 2 horas disso, curso de meia-hora daquilo. Que aflição! É como querer pendurar vários quadros ao mesmo tempo, em uma parede em constante movimento, só que sem as ferramentas básicas necessárias. Não há prego bom, bucha boa, furadeira ou um simples martelo.
Em mercados brasileiro e global cada vez mais desafiadores e complexos, em que as empresas buscam perfis aguerridos, adaptáveis e capazes de tomar decisões rápidas, que demandam visão do todo e assertividade, simplificar é o desejado. E pra fazer o simples, é necessário relacionamentos sólidos, foco e disciplina, esta, a mãe de todas as competências.
Portanto antes de atacar os hashtags de forma voraz, recomendo que tenha certeza da profundidade no desenvolvimento das principais e reais competências exigidas hoje no mercado, onde o fator humano impera. Seguem algumas:
Gestão no Tempo – “gestão do tempo” quem faz é relógio. Aqui você desenvolve a sua capacidade de decidir o que alocar numa determinada janela de tempo, ranqueando as prioridades. O que te trará conforto é elencar grandes projetos, pressionados por tempo, em que você teve protagonismo relevante.
Relacionamento Interpessoal – a famosa “construção de pontes”. No tal ambiente líquido, voraz e de constante mudança, ter assertividade muitas vezes requer a busca de informações de forma consistente. Saber acessar o outro de forma empática e com escuta ativa só acelerará a colheita de dados fundamentais para a tomada de decisão.
Autogerenciamento – em modelos de trabalho híbridos, esta competência tem sido exigida ao extremo. As distrações do trabalho remoto são inúmeras, mas o mercado pouco quer saber disso. Te cobrarão pelo bottom line, ou seja, o resultado. Nesse sentido, a reconstrução da agenda e das tarefas é importante para que os prazos sejam cumpridos, mantendo a qualidade e ainda maior produtividade. É preciso disciplina (lembra dela?) para ter o trabalho entregue e a tão sonhada qualidade de vida ao mesmo tempo.
Planejamento – preparação, organização e estruturação. Não há mais espaço para improvisos e “deixa eu que resolvo” na velocidade do atual mercado. Claro, bons instintos são importantes, mas sempre com uma boa dose de preparo e previsibilidade. Outra oportunidade de resgatar conquistas anteriores que demandaram planejamento como prova de sua capacidade de decidir.
Calma – sim! É preciso calma. Calma não é lentidão, muito menos procrastinação. Calma é comportamento, calma é habilidade. Os tempos pedem e é receita de sucesso na gestão de times em que alta performance é demandada, sem burnouts seu e dos demais. Calma demanda prática e abre espaço para a inteligência, para a respiração. Focar no que é importante demanda calma. E essa prática tem mais a ver com o Let it Be, do que com o Beat It.
Faça antes e bem, o simples. Antes de Michael Jackson vem os Beatles.