38% das mulheres ocupam cargos de liderança, e entre essas, somente 15% são negras, aponta estudo do Movimento Pessoas à Frente.
O caso recente de um CEO famoso nas redes sociais, que comentou em um story “Deus me livre de uma mulher CEO”, ao expressar sua opinião sobre a mulher ideal para ele, revisitou questões profundas sobre a percepção de gênero no ambiente corporativo e o machismo frequentemente enfrentado pelas mulheres em áreas consideradas masculinizadas. Esse tipo de declaração não é apenas uma opinião isolada, mas reflete um viés cultural arraigado que deslegitima a capacidade das mulheres de liderar.
A frase, embora pareça pessoal, carrega um peso significativo e ecoa estereótipos ultrapassados que ainda permeiam o mundo corporativo. Ao associar a liderança feminina a algo indesejável, reforça-se a ideia de que o papel de liderança deve ser predominantemente masculino, criando barreiras invisíveis, porém poderosas, para as mulheres que aspiram ocupar cargos de poder e influência.
Um estudo do Movimento Pessoas à Frente mostra que apenas 38% das mulheres ocupam cargos de liderança e, entre essas, somente 15% são negras. Já o levantamento da McKinsey Global Institute revela que a igualdade de gênero no mercado de trabalho poderia adicionar US$12 trilhões à economia global até 2025. No entanto, as mulheres ainda recebem, em média, 77 centavos para cada dólar pago a homens, e apenas 27% dos cargos de liderança em empresas são ocupados por elas, de acordo com a ONU Mulheres.
Esses números evidenciam a persistente disparidade entre homens e mulheres no ambiente corporativo, mesmo com claras evidências de que a equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia econômica inteligente.
A sub-representação feminina em cargos de liderança não decorre da falta de competência, mas de um sistema que, historicamente, não reconhece o potencial feminino da mesma forma que o masculino. Além disso, o viés inconsciente e os comentários pejorativos sobre mulheres em posições de poder reforçam uma cultura corporativa que muitas vezes marginaliza e as desestimula a perseguirem suas ambições profissionais.
“Um dos grandes desafios para as mulheres no mercado de trabalho é justamente romper o teto de vidro — uma barreira invisível que impede sua ascensão profissional, mesmo quando estão igualmente qualificadas para cargos de liderança. Em muitos casos, essas barreiras se manifestam por meio de pressões sociais e culturais que limitam as escolhas de carreira das mulheres ou as desencorajam a buscar oportunidades em áreas dominadas por homens, como o mercado imobiliário”, destaca a diretora-presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário, Elisa Rosenthal.
Elisa complementa dizendo: “Pensamento e posicionamentos como o que nos deparamos nesse caso, representam mais alguns ‘degraus quebrados’ que temos que liderar para a ascensão profissional. E chega a ser impressionante ver que, em plena era da inteligência artificial, ainda existam comentários e opiniões que desvalorizam e desqualificam o papel da mulher no mercado de trabalho. Estamos em um momento de disrupção tecnológica, onde habilidades como liderança, inovação e colaboração são mais importantes do que nunca. Ainda assim, enfrentamos o machismo estrutural que restringe o espaço da mulher nas corporações.”
E quando se é mulher negra?
Esses desafios se tornam ainda mais evidentes quando consideramos a interseção de gênero e raça. Mulheres negras, em particular, enfrentam uma dupla barreira no ambiente corporativo, resultante tanto do racismo quanto do sexismo. A falta de representatividade dessas mulheres em posições de poder reflete uma estrutura organizacional que não oferece as mesmas oportunidades de crescimento e ascensão que aos homens brancos. Esse ciclo vicioso, onde a ausência de exemplos de liderança feminina e negra perpetua a exclusão de novas líderes, precisa ser rompido.
Precisamos falar sobre as mulheres, mães e trabalhadoras!
Adicionalmente, há uma expectativa social de que as mulheres conciliem, de forma impecável, suas carreiras com responsabilidades familiares — uma demanda que não é imposta igualmente aos homens.
“É um equívoco pensar que a maternidade diminui a capacidade profissional de uma mulher. Pelo contrário, a maternidade traz consigo habilidades valiosas, como organização, resiliência e capacidade de multitarefa, que são extremamente relevantes no ambiente corporativo”, ressalta a sócia e líder da Experiência para Pessoas Candidatas na Gupy, Jhenyffer Coutinho.
Embora a diversidade seja amplamente discutida, muitas organizações ainda enfrentam dificuldades na implementação de políticas inclusivas. A diversidade é vista como impulsionadora de inovação e resolução de problemas, mas as empresas precisam ajustar suas práticas de recrutamento e superar desafios como o viés inconsciente e a resistência à mudança.
“A adaptação efetiva a essa tendência não é apenas uma questão de conformidade, mas uma estratégia essencial para garantir competitividade e sucesso a longo prazo no mundo empresarial diversificado e globalizado de hoje”, observa Jhenyffer.
Hora de agir antes de falar sobre inclusão e diversidade
Movimentos globais de empoderamento feminino têm trazido nova luz a essas questões, incentivando mudanças nas políticas corporativas e na forma como as empresas enxergam a diversidade. Iniciativas como mentoria para mulheres, cotas para cargos de liderança e programas de inclusão são passos importantes para diminuir a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. A presença feminina em conselhos administrativos demonstra um impacto positivo tanto na cultura organizacional quanto nos resultados financeiros.
É essencial que empresas e líderes compreendam que a diversidade, especialmente de gênero, não é apenas uma pauta de responsabilidade social, mas um motor de inovação e crescimento. Segundo o Fórum Econômico Mundial, empresas que promovem a igualdade de gênero têm 21% mais chances de registrar um crescimento superior à média da indústria.
Segundo pesquisa da Women Leadership, a falta de políticas de diversidade e equidade é o que mais incomoda as mulheres. Para 38% delas, falta respaldo das empresas em ações que promovam essas políticas. Para 20,7%, é necessário investimento em educação corporativa, e 20,5% acreditam que faltam discussões construtivas sobre o tema.
Diante desses dados alarmantes, é fundamental que as empresas reconheçam a urgência de promover mudanças em suas estruturas e culturas organizacionais. A desigualdade de gênero não só priva as mulheres de oportunidades justas de ascensão profissional, mas também prejudica a sociedade como um todo, minando o potencial criativo e inovador que a diversidade de pensamento pode trazer.
É urgente que o mercado de trabalho se transforme, reconhecendo o valor inestimável que a liderança feminina traz ao desenvolvimento econômico e social. No entanto, a mudança não virá apenas de cima para baixo. Todos os colaboradores, independentemente do gênero, precisam se envolver ativamente na promoção de um ambiente de trabalho mais justo e igualitário.
Ao mesmo tempo, a sociedade precisa continuar combatendo as percepções distorcidas sobre o papel da mulher, promovendo um ambiente corporativo mais inclusivo, que celebre as diferenças e quebre de uma vez por todas os estigmas associados ao gênero. Somente com esforços conjuntos e comprometimento real poderemos construir um futuro no qual as oportunidades sejam verdadeiramente equitativas para todos.
OPINIÃO – Elisa Rosenthal – fundadora e Diretora presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário. Colunista no Estadão e Exame. LinkedIn Top Voices. Autora de “Proprietárias” e “Degrau Quebrado”. Vencedora do prêmio Conecta Imobi 22 e 23 – Voz Feminina e ESG