Por Mariana Achutti, fundadora e CEO da SPUTNiK
Se você jogar no Google a combinação “filhos+lideranças+universo corporativo”, muito provavelmente o buscador apresentará toda a sorte de matérias a respeito de como mulheres sofrem com a tarefa de maternar. Não que a discussão não seja importante, já que somos as profissionais mais impactadas com a chegada de uma criança: a probabilidade de emprego das mães no mercado de trabalho formal aumenta gradualmente até o momento da licença-maternidade, e depois decai. Após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram a licença está fora do mercado de trabalho — a maioria das saídas acontece sem justa causa e por iniciativa do empregador.
Fazemos parte da lista seleta de 34 países que cumprem a recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de conceder ao menos 14 semanas de licença à mãe, remunerando-a com salário não inferior a dois terços dos seus ganhos mensais no trabalho. No Brasil, temos 120 dias de licença com 100% de salário. Empregadores que fazem parte do Programa Empresa Cidadã chegam a oferecer 180 dias de licença. Mas é na Europa que estão as maiores licenças ofertadas. Na Croácia, por exemplo, são 410 dias (com 100% do salário por seis meses); na Noruega e no Reino Unido, 315 (com acordos de remuneração variantes em cada um deles).
Acontece que para o assunto ganhar, de fato, o tom igualitário que exige, é preciso olhar além: a licença paternidade precisa ser estendida para que o cuidado de um novo ser que chega — e que isso valha, inclusive, para processos de adoção de crianças e adolescentes — não recaia única e exclusivamente sobre os ombros femininos.
Com a vinda de nosso primeiro filho, eu e meu companheiro tiramos o mesmo tempo de afastamento de nossos trabalhos. Somos privilegiados, claro, porque temos nossos próprios negócios. E é justamente esse o chamado que faço: que outras lideranças possam entender seu papel social na implementação de diretrizes corporativas justas. Se quisermos, enquanto empregadores, atrair talentos, teremos de pensar, também, em como retê-los. E ficam em seus postos aqueles que se sentem vistos, acolhidos, amparados verdadeiramente. E-mails internos celebrativos, ações pontuais e discursos vazios são ótimas fachadas promocionais, mas não se sustentam no dia a dia, não colaboram efetivamente para aumentar a sensação de bem-estar do nosso quadro de funcionários. E ela importa. Felicidade, aliás, é um fator cada vez mais fundamental para a performance e os resultados de uma empresa.
Um estudo da Warwick University, do Reino Unido, descobriu que trabalhadores felizes são 20% mais produtivos do que os não-satisfeitos. E sabe o que conta na hora de medir esse impacto comportamental positivo? Segundo o Índice de Qualidade do Ambiente de Trabalho (IQAT) criado pela Você S/A em parceria com a Fundação Instituto de Administração (FIA), são questões basilares como justiça organizacional, satisfação com a liderança, comprometimento organizacional, confiança, gestão de saúde, segurança e qualidade de vida no trabalho.
Funcionários desejam que seus locais de trabalho reconheçam e valorizem a importância de outras esferas de suas vidas. É o que vale na hora de entrar — e na hora de permanecer — em um time. De acordo com o Guia Salarial 2021, 71% dos profissionais levam em conta o pacote de benefícios da empresa antes de aceitar uma proposta de emprego. A licença-paternidade estendida é apontada como uma das principais demandas. Mas eis a realidade: hoje, por lei, a CLT garante que homens que se tornam pais tirem apenas cinco dias para participar dos primeiros momentos do filho recém-chegado. Algumas organizações que aderiram ao programa Empresa Cidadã estendem o benefício para algo entre vinte e quarenta dias. Na visão empresarial, a licença ainda é vista como um benefício e não como um direito. E é aí que mora o erro — e a oportunidade.
Empresas como a startup Loft já sacaram o jogo ganha-ganha. A plataforma digital adotou a licença parental estendida de até seis meses para pais e mães. O objetivo? Igualar o custo dos funcionários e reduzir a diferença entre gêneros. Em entrevista ao portal Terra, a diretora do RH, Renata Feijó, diz que os funcionários percebem, dessa forma, que fazem parte de algo maior: “Poder usufruir da licença faz com que eles sintam que é uma empresa que acolhe e isso é fundamental para construir uma relação recíproca de longo prazo”. A política vale, também, para casais homoafetivos.
Para que mudanças dessa magnitude aconteçam de fato, é necessário que todos estejam alinhados e inspirados pela cultura organizacional. E para isso só há um caminho: educação. Conceitos, ferramentas e reflexões que circulam no universo corporativo precisam estar de acordo com os valores contemporâneos. Não basta que a mudança parta da lógica do top down. É fundamental que ela seja transversalizada em todos os níveis hierárquicos, em todos os setores, em qualquer área. Do lado de cá, depois de seis meses de prática, já sabemos: satisfação e bem-estar refletidos em engajamento e proatividade. Não parece uma ótima combinação?