A preocupação das empresas com funcionários que contraíram a covid-19 não deve ficar restrita apenas ao período de infecção — normalmente, o afastamento é de 14 dias. É preciso estar atento também ao tempo que segue após a pessoa receber alta médica. O número de casos de indivíduos com problemas advindos do novo coronavírus cresce. É a chamada covid longa ou Síndrome pós-covid.
Para se ter uma ideia de quanto esse tema chama a atenção, basta lembrar que já foram constatados cerca de 55 tipos de sequelas de longo prazo. Esses efeitos foram identificados em um levantamento realizado a partir da revisão de 18 mil pesquisas sobre o assunto publicadas até janeiro deste ano. De todo esse material, foram selecionadas as 15 publicações mais importantes e relevantes sobre a covid longa, num trabalho conjunto de pesquisadores de universidades dos EUA, México e Suécia.
A base de pacientes desses estudos, somados, chega a 47.910 pessoas e os principais sintomas percebidos foram fadiga, dor de cabeça, dificuldade de atenção, perda de cabelo e dificuldade para respirar.
Em alguns casos, as sequelas não atrapalham a performance das pessoas na empresa, como perda temporária de olfato ou a queda de cabelos. Já em outros, como perda de memória ou outros distúrbios cognitivos, é preciso acender uma luz amarela. “São situações que podem dar margem a uma intepretação equivocada por parte da organização”, diz Luiz Edmundo Rosa, diretor de desenvolvimento humano da ABRH Brasil e responsável pelo tema saúde corporativa na entidade. Problemas causados por sequelas da covid podem ser encarados como negligência por parte do colaborador, que passa a não apresentar o mesmo desempenho e nível de qualidade em suas entregas.
Por essa razão, diante de algum sintoma diferente ou de mudança de comportamento ou de performance de um funcionário que teve covid, é importante descobrir o que está por trás desse problema. Pode ser um reflexo de fadiga, que pode gerar mais procrastinação e apatia da pessoa. Por essa razão, a área de RH e os líderes têm um importante papel nesse trabalho inicial.
“É preciso preparar a liderança para detectar alterações de comportamento em quem teve covid, como perda de energia, de memória, raciocínio, lentidão”, diz Luiz Edmundo. É esse gestor que está mais próximo do funcionário no dia a dia que deve observar qualquer mudança no ritmo normal de trabalho. A partir da identificação de algum sintoma, a área de RH deve encaminhá-lo para o atendimento médico. E um ter um programa de atenção primária na empresa ou oferecida por ela pode fazer uma grande diferença.
Tempestade inflamatória
Outro estudo, publicado pela revista Nature, apontou que pessoas que tiveram a doença apresentam um risco 59% maior de morrer dentro de seis meses depois da infecção. Publicado em abril, ele teve como base os dados nacionais de saúde do Departamento de Assuntos de Veteranos dos EUA, além de informações de mais de 87 mil pacientes diagnosticados com a doença e 5 milhões de indivíduos saudáveis, que serviram como grupo de controle. Dentre os problemas pós-covid encontrados estão aqueles ligados ao sistema respiratório e nevoso, entre outros, além de distúrbios neurocognitivos, de saúde mental, cardiovasculares, gastrointestinais e metabólicos.
“O coronavírus provoca uma tempestade inflamatória no nosso organismo, que provoca a liberação de citocinas, substâncias que podem causar transtornos leves ou mais complexos”, explica Walter Moschella, diretor médico de medicina preventiva do Grupo NotreDame Intermédica.
Assim, as sequelas podem ser transitórias, como perda de memória, dor de cabeça ou tosse, ou podem durar mais tempo. Isso porque, explica o médico, essa tempestade acaba atingindo o pulmão e pode ocasionar uma fibrose, que pode se tornar crônica. Essa pneumopatia pode atingir vasos e gerar uma trombose, podendo levar o paciente até a um derrame ou a um infarto, além de poder afetar o sistema nervoso e músculos.
A pesquisa publicada na Nature também mostrou um aumento no consumo de analgésicos, antidepressivos, ansiolíticos, anti-hipertensivos e hipoglicemiantes orais. Em muitos casos, são remédios de baixo custo, mas que devem ser levados a sério no tratamento, em especial quando o tratamento indicado prevê o uso de anticoagulantes e corticoides.
Em um país em que o tratamento medicamentoso nem sempre é completado, assegurar que a pessoa tenha acesso ao medicamento e cumpra o indicado é crucial, avalia Luiz Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Operadoras de Planos de Medicamentos (PBMA).
Falta prevenção
Monteiro acredita que o número de casos de pessoas com síndrome pós-covid no Brasil tende a ser cada vez mais significativo e que essa questão deve ser tratada de forma correta na organização, com a mesma importância que o tema saúde corporativa merece. “No entanto, muitas empresas, infelizmente, ainda acreditam oferecer um plano de assistência médica já é o suficiente”, diz.
Pesquisas feitas pela ABRH Brasil e pela Aliança para a Saúde Populacional (Asap), em 2017 (com 668 profissionais de recursos humanos) e em 2020 (com 704 empresas), apontam para a distância entre o que se diz e o que se pratica quanto ao destaque que a saúde corporativa recebe. Nas duas edições, apesar de o tema ser encarado como importante, em quase 40% das organizações participantes ele não está nas mãos do principal executivo de RH, mas na de gestores abaixo dele. Para o presidente da PBMA, essa situação pode mudar, como um legado “positivo” da pandemia.
Com o aumento da preocupação com a vida e a saúde dos colaboradores, muitas empresas passaram a entender o real valor de uma boa gestão de saúde corporativa e seus resultados. “É uma grande oportunidade para a área de RH não apenas liderar esse processo de saúde, como também mostrar seu protagonismo em um momento de profundas mudanças nas empresas”, diz. Uma das ações dentro dessas principais iniciativas é o reforço da prevenção de doenças na empresa. Mas, nesse quesito, muita coisa ainda está por fazer.
“Como minha mentalidade é muito mais preventiva, antes de se preocupar com a síndrome pós-covid, todos devem se preocupar com a covid-19. O problema é a infecção. Se não tiver infecção, não tem nada”, diz Moschella, do Grupo NotreDame Intermédica. “Todo mundo fala em prevenção, mas será que isso é levado a sério? As pessoas querem resultado a curto prazo, mas não mudam seu estilo de vida, não investem em mudança comportamental e é isso que deve ser o foco principal”, destaca.
Ainda no caso da covid-19, ele reforça o uso de máscara, da higienização, do distanciamento assertivo e da vacinação. “Mas prevenção não faz parte da cultura do Brasil”, lamenta.
Grupo de risco
Em alguns casos, as sequelas pós-covid podem fazer com que o funcionário passe a integrar um grupo de risco dentro da organização. E um bom programa de gestão desse grupo, avalia Luiz Edmundo Rosa, pode evitar muitas dores de cabeça. Complicações de saúde de alguma dessas pessoas podem significar, além de riscos à vida, riscos financeiros, com custos maiores de tratamento ou com internações — afetando o índice de sinistralidade. Porém, cerca da metade das empresas participantes da pesquisa da ABRH Brasil e da Asap não têm programas para esses grupos de risco.