Inovação em processos seletivos: pescando talentos em mar aberto com tecnologia e IA
Por Larissa Veronez, Gerente de Desenvolvimento de Ecossistema da Fundação Lemann e Laura Mattos, Coordenadora de Tecnologia e Inovação da Fundação Lemann
Oportunidades de ocupar certos espaços, especialmente em um país tão desigual, parecem estar destinadas a um grupo específico de pessoas – com gênero, cor, região, sobrenome e formação acadêmica determinados. Nesse contexto, como podemos quebrar barreiras quando falamos em processos de seleção? A resposta pode estar no uso da tecnologia e da inovação. Se bem utilizada, costumamos dizer que a tecnologia nos permite sair de um aquário e passar a pescar em mar aberto.
Isso significa que, com o uso de programas, aplicativos e até mesmo inteligência artificial (IA), conseguimos chegar a pessoas de alto potencial de impacto que não apresentam requisitos considerados padrões dentro de um processo de seleção. A IA pode apoiar processos que tenham menos “vieses humanos”, que, muitas vezes, avaliam somente diplomas, universidades, títulos e currículos de referência.
Especialmente no contexto de organizações de impacto social, uma liderança local, que atua apenas em seu território, por exemplo, encontra muita dificuldade de avançar em processos de seleção. Essa liderança geralmente não consegue chamar atenção e ocupar espaços fora do seu entorno por ainda não gerar impacto em grande escala. Com vivências e impactos na comunidade, ela nem sempre será o profissional graduado ou pós-graduado em uma universidade de referência.
Talvez, nem mesmo exista uma graduação, o que não exclui seu papel e sua atuação como líder. Cabe a ressalva de que, apesar de existir a ferramenta tecnológica, com critérios e metodologia dentro de um conceito para o processo seletivo, é importante que haja pessoas supervisionando este processo a fim de valorizar a trajetória de cada pessoa candidata.
Este ano, a seleção da Rede de Líderes Fundação Lemann deu um passo à frente no que diz respeito à inovação na seleção de lideranças. Para escolher os 60 novos membros do grupo formado por lideranças diversas de alto potencial de impacto e comprometidas com a transformação social do Brasil, foi utilizado um bot de WhatsApp em algumas fases do processo, como a etapa de inscrição.
A ideia foi a de quebrar barreiras tecnológicas, democratizando o processo. Como o WhatsApp é a ferramenta de comunicação mais usada no Brasil hoje, seu uso e seu funcionamento é familiar para a população como um todo. Dessa forma, mesmo quem não tem acesso a um computador para preencher um formulário extenso no site poderia utilizar o celular para fazer a inscrição.
Na segunda fase de seleção, testamos juntar inteligência artificial e avaliação humana para classificar os candidatos de acordo com critérios pré-estabelecidos para estarem na Rede de Líderes, como valores, matriz de competências e potencial de impacto, além da trajetória da liderança, totalizando uma média de pontuação. Utilizamos comandos de inteligência artificial para avaliar as respostas dos inscritos a partir de uma rubrica de avaliação. A partir da resposta, foi realizada uma revisão humana que comparou a pontuação que já havia sido determinada pela equipe de avaliação, e, assim, recalibramos a IA.
Por fim, concluímos a última etapa do processo de seleção, que envolveu verificação de referências e a participação de membros da Rede de Líderes, colaboradores da Fundação Lemann e profissionais de recrutamento na condução de painéis com os candidatos. Nesse estágio, os avaliadores também qualificaram os candidatos de acordo com critérios pré-estabelecidos, incluindo a classificação do potencial de colaboração em rede.
O resultado dessas experiências dobrou o número de inscritos em relação à última seleção – foram mais de 500 de todas as regiões do país. Outro aprendizado importante que tiramos desse processo é o de utilizar sempre um “balizador”, ou seja, avaliar os resultados a partir das diferenças entre as conclusões humanas e as tecnológicas e, a partir daí, revisitar onde há uma discrepância muito grande e refinar o modelo para rodar novamente.
O motivo? Pessoas têm vieses inconscientes e a inteligência artificial replica e perpetua esses vieses. E esse é o maior desafio: refinar a IA para tirá-los, melhorando a ferramenta a partir do machine learning. Também é preciso haver um equilíbrio entre as relações humanas e o uso de tecnologias – ao mesmo tempo em que precisamos de assertividade, escalabilidade e agilidade na seleção, é fundamental reconhecermos as trajetórias individuais com a profundidade adequada.
Para que todo esse processo seja efetivo, precisamos desmistificar o lugar da inteligência artificial na sociedade e democratizar o debate. É preciso falar de tecnologia de forma simples, acessível e aberta, para que todas as pessoas tenham autonomia de refletir sobre o assunto. Quando a sociedade olha para um problema, é possível verificar os potenciais de melhora. E para que a tecnologia seja uma alavanca social, e não perpetuadora de desigualdades, ela tem que contar com o olhar de pessoas diversas.